O que importa é televisão
Dizem que não há nada que você não se acostume
Cala a boca e aumenta o volume, então
Zeza inicia falando enquanto criança viada: durante toda a pandemia Zeza relata que falou três vezes com seu pai, que é conservador, proveniente do interior de Douradinho, Goiás. "As pessoas veem as coisas com [paradinha do cavalo] e não consegue tecer um panorama macro, uma tentativa de entender o que realmente se passa na esfera contemporânea. Comecei a compor, a escrever, a cantar, atuar, montar suas cenas desde os oito anos de idade.
Eu cresci ouvindo "você não vai ser nada na vida, só seus primos vão ser." Meu pai nunca violentou minha mãe, mas cresci em um lar de muita violência psicológica.
Como foi a transição para a camera?
referencias balão mágico, via jaizinho, uma criança preta apresentando um programa na Rede Globo, e desejava estar em seu lugar.
A televisão foi o que formou Zeza enquanto artista: Assistindo ás novelas, entrou em contato com a interpretação, sua família não o levava ao teatro, então o aparato auxiliou Zeza em sua formação cultural. Graças a Deus temos Pablo Vittar, se eu tivesse contato com uma artista assim na minha época, sinto que seria outro artista. Linn da quebrada, Linniker...
Bicha nasceu de uma oficina de poesia de Marcelino Freire, existe um festival de Manaus intitulado Breve Cenas de Teatro trazendo artistas do Brasil inteiro: Este ano, por se tratar da pandemia, o mesmo aconteceu durante a pandemia, e a proposta era : cenas de teatro em formato de áudio, e para mim isto foi um grande achado enquanto artista preto, LGBTQ+, durante a pandemia de COVID. Fiquei surpreso ao ter passado para o extremamente concorrido edital: E assim fui chamado para outros festivais.
"Se eu transformar isto em audiovisual, já tendo o áudio, poderia ir para outros lugares. Esse formato de fazer as coisas em casa é o que está rolando. Foi o que aconteceu: Bicha, por conta disso, passou em festivais de teatro em Santos, no Rio, e agora no mês da consciência negra, está indo para um festival do Rio Grande do Sul, e está mudando a minha vida. Sou do teatro mas meu primeiro ímpeto é a escrita, a música, trago o teatro para a música, a música para o teatro, e agora para o audiovisual.
"Teatro me traz este lugar, perceber minha arte com panorama mais amplo. Penso em trabalhar a multi-linguagem, para além do acompanhar os tempos musicais. Sempre gostei de trabalhar o espetáculo, a cena, o teatro tem um papel de humanizar: precisamos trabalhar nossa empatia para tecer uma cena.
Durante a pandemia, Zeza começou a fazer lives montado de sua Drag Queen, como processo de aproximação ás pessoas e o processo de libertação e encontro ao lado feminino e o não-binarismo. As ferramentas impostas ás mulheres podem ser ressignifcadas em lugares de empoderamento, pois a sociedade diz para não usarmos isso. Por que os LGBTQ+ são tão discriminados? Como assim vocês estão abrindo mão de todos os privilégios imbuídos?
Já tinha familiaridade com a câmera, tinha um lugar de conforto, depois de muito treino. O teatro, as artes cênicas são um trabalho como outro qualquer: o texto, a gestualidade, o decorar e viver a cena, mergulhar na realidade passada. Vemos na tela, hoje e sempre, um Brasil embranquecido: as novelas que chegam ao estrangeiro são protagonizadas por pessoas brancas, e ainda hoje a abertura para pessoas pretas é ínfima.
Nós somos o país que mais mata LGBTQ+ no mundo. A questão da violência LGBTQ+ tem em seu cerne, também, a misoginia, a mulher como o ser profano, que traz a perdição, ou seja, você quer se botar no ''papel mulher'', então vamos te desconsiderar e violentar em igual proporção.
"A mãe de meu pai morreu com cinco anos de idade, ele veio para o rio em um caminhão, escondido. Ele foi posto em um internato, onde alimentavam ele com casca de batata. Teve uma vida extremamente sofrida. Ele fala mal da gente porque ele nos classifica como algo menor, o que é uma pena, porque eu sempre tentei estabelecer amizade com ele.
Quando falei para minha mãe que era gay, minha mãe disse: Eu sei , tudo bem, mas não traga isso para dentro de casa. É somente a minha vida, que não posso trazer para dentro de casa. Estou namorando há dois anos.
Onde somos bem vistos.
As referências do teatro
Zeza teve como referência para o curta o espetáculo Angels in America da companhia Armazém Companhia de Teatro, diretor Paulo de Moraes, autoria de Tony kushnir, um clássico da cultura americana, se passa no meio dos anos 80, durante a epidemia da Aids: A peça mostra a vida destes personagens e como eles lidaram com a situação. Zeza arrisca dizer, nós nos construimos a partir do padrão heteronormativo, e a partir deste personagem passei a me entender como pessoa não-binária, e que entendeu o quanto gostava de utilizar e vestir roupas de sua mãe.
Gretchen, Jorge Lafon, uma bicha preta de dois metros de altura, as figuras LGBTQ+, no passado eram vistas com escárnio, como troça. Lorna Washington, uma drag cantora, Anitta trazendo a questão da liberdade sexual no Brasil. As figuras televisivas exercem enorme influência no artista: "Queria ser a Gretchen, dançando no banheiro, longe dos olhares julgadores da família.
Como você descreveria a vivência de dançar no banheiro e como passou a mesma para a cena?
Dançar no banheiro era o que eu sentia quem eu poderia ser, enquanto fora eu não poderia ser. Meu universo era muito maior naquele espaço: Foi muito divertido ter executado este processo, o banheiro era diferente do que eu tinha em casa, tenho esse chuveirinho, posso utiliza-lo de microfone, foi muito investigativo pensar como meu corpo funcionaria naquele ambiente inóspito em que as pessoas defecam, e que isso pode ser utilizado como adubo, como potência: É vida, é transformação. Há a plateia, a descarga, era meu programa de auditório... Eu queria estar dentro da televisão, era um sonho de criança. Agora deixo a porta do banheiro aberta.
"Parei de procurar a aprovação das pessoas. Eu vim do analógico "
Por que Zeza botou a estética analógica? O artista estava procurando formas de estabelecer o Analógico, e a forma que lhe interessou foi um filtro de Instagram. "Era neste tipo de televisão que eu via estas informações, na década de 80, via Xuxa, Gretchen, Chacrinha. Minha família vê muita televisão.
Zeza relata que depois que esteve na universidade, na ESPM, onde cursou Marketing e Comunicação Social, começou a conviver com pessoas de condição abastada, e ainda relatava o quão difícil foi estar enquanto corpo preto: "Não tinha grana para festa, para ir para barzinho depois da aula..."
A gente é silenciado o tempo todo. Nos perguntam "Pra que levantar bandeira?" A gente já nasce com a negativa. "Não exista, não pode ser..." então precisamos trazer o aposto. É chato o lugar Vou lançar um disco, estou trabalhndo com quatro produtores incríveis, está saindo um trabalho de qualidade.
A galera conservadora é assim: eles querem conservar o habitat deles, tudo que lhes é novo é repudiado, porque ameaça a geração deles. Minha geração é extremamente retrógrada. Minha irmã, por exemplo, alisa o cabelo até hoje,
Somos criados em um ambiente
Teve um momento da minha vida, depois de eu me separar do meu ex-marido, e precisei voltar para a casa dos meus pais. Foi engraçado perceber como tratavam o meu sobrinho, Mateus. Espero que ele tenha, assim como tive, o despertar. Teve um momento que me proibiram de estudar com ele, e sempre tentei entender.
Como foi a escolha das cenas para o curta?
Tiveram muitas outras cenas que ficaram de fora: essa cena me traz uma perspectiva da alienação que quer apagar nossos corpos e subjetividades: o que é este culto de um homem chamado "Messias", proferindo profecias... Penso nesses corpos dançantes como minha família, a padronização do pensamento que a televisão traz, podemos denominar como um gado mesmo, essa uniformização.
Na letra, o que você estava pensando quando compôs o verso a Água, o Vinho e o Pão?
É essa coisa mais religiosa, cristã, quis fazer essa alusão a este ambiente cristão, minha mãe é evangélica mas nunca nos obrigou a ir a igreja, transformar a água em vinho, a água enquanto transparência, o vinho como Dionísio, e o Pão, o corpo. Vivemos em uma sociedade cujos hábitos, a forma de conceber a realidade é muito cristã.
Diante dos olhos, todas as cores, ilusão, tudo se dissolve, diversidade, união: Zeza sugere: as coisas são efêmeras. O artista engloba uma questão em Nietzsche, em "Quem falou Zaratrustra": um quê ligeiramente nilista, essa condição moralizante, em que o bom pode ser ruim e vice-versa, é finda, os tempos de agora podem ser os de outrora.
Este corpo observando a televisão analógica é uma criança
E, além de seu desenvolvimento e despontar na cena Audiovisual, Zeza vem trabalhando na concepção de seu álbum de estreia: Bicha Mandingueira. O mesmo trata-se de uma colagem sonora com pegada de eletrônica, samba de roda baiana, misturas, no qual o mesmo dialoga sobre ancestralidade, agrada e tem o profano, com uma pegada de erotismo, vai ficar pronto em dezembro, e será lançado em junho do ano que vem.
Sobre a questão política:
Surgir um Bolsonaro, não me surpreende. A sociedade galopa para isso, sempre vivi com um Bolsonaro dentro de casa. Existe um lugar dessa instância que aprisiona, nega o sexo, inibe o sentir: Não damos conta que respiramos, o ar entrando e saindo: Vivemos ou no passado, traumas, ou no futuro, nas ansiedades, e não vivemos o aqui e agora: A natureza em sua essência. Meditação me ajuda muito, trouxe para mim um conhecimento, uma vivência e experiência absurdos. Em uma árvore não existe uma folha igual a outra, e nós a derrubamos, queremos padronizar e uniformizar tudo: Por mais que leiamos, vivemos neste ambiente extremamente tóxico.
sou do candomblé, falo sobre iemanjá
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