domingo, 25 de fevereiro de 2018
Dia 202
Acordei mal. Acordei extremamente mal, solitário. Escuto vozes na minha cabeça, e estou melancólico. Tento dançar, sacudir meu corpo, mas ele é fraco. Gostaria de pegar as frutinhas para pintar tábuas, mas a comida aqui está escassa. Penso em meus parentes, em meu pai, fechado em seu semblante preocupado, em minha mãe, paranoica com meu comportamento... onde estariam eles agora? Em que mundo estariam eles? Pois eu sei que estou longe, longe em corpo e espírito. Estou com raiva, com raiva pela minha solidão, pela falta de interação. Se alguém aparecesse, se alguém lesse, se alguém mostrasse que sentisse. Apenas eu, nessa ilha, e meus fantasmas. Estou prestes a ressuscitar meus amigos imaginários, e assim eles poderiam falar comigo. Subo até um penhasco, no qual consigo ver toda a extensão da floresta e, mais a frente, a praia. Grito, e grito a plenos pulmões, grito até minha voz queimar minhas cordas vocais. Amigos, se existe angústia, estou vivendo-a agora. Impotência. Frustração. Sim, estou em paz, mas sinto falta dos sentimentos. Sinto falta de um beijo afetuoso, de uma carícia nas sombras, de um olhar apaixonado. Até mesmo dos sentimentos mais grosseiros, também sinto falta. Risadas saíram do meu semblante desde que estive aqui, animais não riem, salvo as hienas. O ser humano sem arte é um corpo vazio, que apenas existe, come coisas, defeca elas, e assim vai, até morrer. Saudades de meu estúdio e meus colegas artistas, por mais que eles não sintam minha falta. Na verdade, era um problema meu: exaltar muito certas pessoas, sem receber nada em troca. Por muito tempo, quis ser um Messias, quis ajudar o máximo a gente de bem, mas o problema é: pouca gente quis me ajudar, de verdade. Tive épocas sombrias de minha breve vida, companheiros. Era só me fechar um pouco em meu quarto, e parecia que todas as almas vivas evaporavam. Quando eu achava que podia contar com algum amigo fiel, esse me deixava a deriva, com as moscas e urubus. Olhe que triste estou hoje. Vejo o tempo acinzentado, tenho vontade de cavar um buraco e deixar minha cabeça lá, como um avestruz. Me esconder de mim. Infelizmente, nessa ilha, sou só eu, preciso encarar meus problemas e, de certa maneira, na medida do possível, tentar consertá-los. Estou arquitetando planos de escrever histórias, prosas, poesias, quem sabe lembro-me como que é sentir novamente. Vou para o rio, vejo meu reflexo na água, tenho vontade de chorar. Por que? Pela miséria da vida, pelo sofrimento humano, inerente a existência. Maldito orgulho, gula e ambição, que faz com que queiramos cada vez mais, nunca é suficiente, só apreciamos as coisas quando se vão. Queria um companheiro mamífero aqui, algo como um gato, poderia ser um cachorro também. Suspiros, suspiros que só fazem o ar viciado sair do meu peito, e cá estou eu, em busca da paz interior. Ao ver que a maioria dos problemas que tenho agora são de minha cabeça. Preciso me abdicar desses prazeres mundanos para poder pensar com clareza e não enlouquecer. Queria ter uma tesoura e assim, cortar meu cabelo, como um monge. Mas aqui o sol é terrível e brutal, ficaria com a careca desprotegida, melhor continuar com a juba. Só sei meu idioma ainda pois escrevo todos os dias, do contrário, estaria apenas grunhindo. Eu falo coisas, mas mal reconheço minha voz. Eu falava coisas, como : -Bom dia! , -Está tudo bem contigo, cara? Quer ajuda? E quando digo isso em voz alta, ela ecoa pelo horizonte a minha frente, e além disso escuto o farfalhar das asas dos pássaros, que mal me temem mais. Estamos todos acostumados. Estou com fome, e com um péssimo pressentimento que não conseguirei pegar peixes hoje. É horrível como o ser humano se auto sabota. Se todos nós crescêssemos incentivados, familiarizados com os problemas e REALMENTE saudáveis, teríamos super humanos, humanos imbatíveis que saberiam lidar com qualquer coisa. Mas não, somos viciados em comportamentos destrutivos, e... sei lá, estou delirando. Sol na minha cabeça, vou mergulhar no rio, que, com suas águas geladas, consegue recompor um pouco de meu semblante, meu temperamento... Espero que eu consiga capturar algum peixe, e estava procurando temperos pela floresta, tentando relembrar os que minha mãe botava na comida, mas o pessimismo é grande, as memórias, parcas e nebulosas, está difícil de lidar com a vida e com a minha cabeça. Queria entretenimento, amigos. Taí a dica de hoje: Se permitam entreter. Esquecer tudo e todos e mandar o mundo aos infernos e simplesmente se deixar entreter. A vida pode ser levada menos a sério que muita gente leva, somos animais, e animais burros e orgulhosos. Coitados.
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