sábado, 24 de fevereiro de 2018

DIA 201

Bom dia, meus velhos amigos invisíveis. Mesma paisagem, acho que está na hora de eu me deslocar para outro canto dessa ilha, mas construir outro abrigo será um esforço... Bom, aprecio a ideia de ter tarefas. Se eu conseguir montar uma machadinha ou algo do tipo, já posso começar a entalhar, cortar um pouco da madeira, mas não muito, aproveitar com moderação o que a natureza dá de tao bom grado . Um canto com mais ar fresco, esse que estou agora é no meio das matas, fica úmido e quente, suo o dia inteiro. Estou reclamando da praia, mas se estivesse na montanha, estaria reclamando da mesma, dá-lhe homem, sempre insatisfeito, guloso. Acordei com fome e com saudade. Peguei as frutas, as tais amorinhas, as juntei em minha mão, vou levar para comer com os macacos. Só preciso achá-los. Nessa mata úmida e fechada, onde mal se vê o céu, volta e meia consigo ver as caudas deles aparecendo e desaparecendo, se pendurando em galhos, arremessando-se de árvore em árvore... Poxa. Queria ter essa habilidade, e ser super humano. Bom, ficarei aqui até, provavelmente, o fim de meus dias, acho que não custa nada... deixo as amoras no chão, e tento me firmar na árvore. Sua casca está escorregadia de tanto orvalho, tento me apoiar e o pé desliza para baixo. Talvez seja melhor procurar uma árvore mais seca para subir em, e depois me aventurar com os macacos. Sento, encostado nessa mesma árvore, ela pode não servir para eu subir, mas ainda dá conforto sob suas folhas grandes. Há algo estranho, me sinto meio.... coçando? Desgraça, sentei em um formigueiro. Sabe, quando criança eu achava que a solução para isso era destruir tudo. Acabar com formigueiros, cupinzeiros, colmeias. Eu os quebrava com pedaços de pau, e pensava: Agora eles nunca mais vão me aporrinhar. Pelo contrário, aí que incitava o ódio nos pequenos seres, e eles vinham atrás de mim, tenho uma pequena cicatriz atrás da orelha, antiga ferroada de vespas. Tao pequenas, mas tao injuriosas a nós, os grandes deuses de tudo. Hoje, sei que é apenas respeitar o espaço deles. Não faze-los sentirem-se ameaçados, conviver tranquilamente. Estou com sede, e acossando, lá vou eu para o maravilhoso rio, que mal nome tem. Já está na hora de arranjar o nome para o rio.... Rio Victória. Victória é a mulher que mais amei em vida civilizatória. Algum dia, quando tiver superado a dor no peito e o aperto de nunca mais poder senti-la, escrevo sobre. Por enquanto, o que mais me concerne é a água que preciso botar para ferver. Grandes maravilhas, o animal homem precisa tirar as bactérias pois seu estomago é fraco e simples, vejam só. Enquanto alguns mamíferos comem carne crua, com sangue e dentes afiados, e comem grama, folhas, frutas, sem pestanejar com gostos. E o melhor? Não comem coisas viciantes, como chocolate, gorduras... Creio que os animais possam ter virtudes, enquanto são desprovidos de vícios, tudo é instinto e busca pela sobrevivência.  Entre os homens, eh... Essa competitividade capitalista me dava nos nervos, nossa , como é bom estar livre, sem ter um celular vibrando ao meu lado, como eu prefiro infinitamente a falta de informações comparando-se ao turbilhão de mensagens todo dia, é sempre alguém querendo alguma coisa,  e vozes, muitas vozes repletas de agonia que me cercavam dia após dia. Hoje, apenas tenho o silencio. E os macacos.
Bebo a água, tomo meu banho de rio diário, rio, e rio muito, de felicidade pelas coisas simples, de como estar aqui me faz bem, me deixa melancólico e extremamente solitário, mas me faz bem.
Vou caminhando, rumo a algum lugar onde os macacos estejam. Procuro, começa a chover. Quer saber? Deixe os macacos lá. Vou ficar em meu abrigo, vendo a chuva cair.
É maravilhoso. Do meu abrigo, o qual cabe eu e apenas eu, um ser humano, consigo enxergar a praia, e as nuvens escuras, com vários tons de cinza, se aproximando. Vejo o mar se revirando, ele , tentando atingir a mesma cor que o céu. Mas meus amigos invisíveis, a noite desprovida de nuvens e chuva é a coisa mais linda que chegariam a contemplar como sociedade. É como olhando para uma cidade noturna, para paris, talvez, mas sem o rio poluído no meio, é somente brilho, somente um monte de purpurina jogado sobre um fundo preto que se mescla de tons incríveis de azul. Tenho pintado algumas coisas aqui, sabem... Com pedras, lasco madeira de árvores, e acabo pintando-as com o suco das frutas. Me orgulho deles, gostaria até de pendurar, mas não há paredes, não há pregos, não há nem quadros. E os cheiros... Nunca usei tanto o olfato quanto aqui. Sinto o cheiro da chuva três horas antes de ela chegar, sinto o odor dos macacos, e ao mesmo tempo de frutinhas, sinto a tensão no ar. Queria ter galinhas aqui, e então teria ovos e poderia fazer algum tipo de omelete, ou o mais próximo que eu conseguiria disso. Nós não valorizamos o que temos. O conselho de hoje é... Aprenda a amar o sol, ele é ouro e esquenta nossos corações . Mas ame também a chuva, a chuva é a prata, é o brilho sutil, é o presente e a coragem.

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