no silencio de uma noite conturbada no Rio de Janeiro,
a úlcera no cérebro de um homem explode, causando hemorragia interna
óbito imediato
as pessoas comecam a se aproximar, com curiosidade, do corpo estendido no chao
outras se afastam e olham feio
as que se aproximam, se aproximam mais
abrem seus bolsos a rasgos, pegam o dinheiro que encontram
cerca de dois reais
os rasgos chegam a cortar a pele, e eles procuram por dinheiro
por baixo dos ossos e dos músculos
nunca se sabe
um homem pega um fígado para sua esposa alcoolatra
uma mulher pega um rim para seu pai doente
uma influencer raspa os cabelos do homem
para moer e separar a queratina para seu cronograma capilar
um youtuber tira uma selfie enquanto as pessoas tiram foto com o cadaver
perguntam qual sua conta do banco
tinha poupanca:
nem tinha cartao de credito
pegam sua carteira mexem e remexem e nada de achar o cartao de credito
so tinha um cartao de uma igreja , uma chapinha de refrigerante, uma fotografia suja
um homem pergunta onde ele vivia
o outro responde
na rua
os homens saem dali frustrados
e voltam
tiram lhe o nome, tiram lhe a alma
tiram lhe a pele, frita no azeite parece com pele de porco
um homem arranca lhe o ouvido porque acha engracado
-olha, agora ele é o van gogh
uma mulher espeta as maos e os pés do morto, que nem sangram mais,
tiraram lhe o sangue para ver ate quando sangra
-porra tao sujando a calcada, reclama o gari
- eu é que nao vou limpar essa merda
tiram lhe as roupas, pessoas em situacao de rua precisam
tiram lhe os olhos, vao ser usados de joias sem brilho na prateleira da lojinha empoeirada escondida
tiram lhe os dentes, podem valer alguma coisa
tiram lhe o chapeu, serve de balde para as goteiras da casa do vizinho
ele era catador de latinhas
logo surge um catador de latinhas diante do seu último chefe, e alisando a roupa maltrapilha, diz
-agora posso pegar o lugar dele, meu nome é _____ e quero ser o próximo catador de latinhas no entorno da area do falecido querido que morreu e ninguém sabe o nome.
-Voce por acaso sabe qual a area em que o colega que morreu trabalhava:
-Nao
-cinquenta metros quadrados, de um ponto partindo da Central.
-Quanto da isso, senhor:
-Bastante, se voce ultrapassar isso e entrar em territorios inimigos, pode ser ameacado de morte, e a culpa sera toda sua, boa sorte.
-Eba, novo emprego.
Com quem o querido que morreu se relacionava afetivamente:
-Ele tinha uma amiga que lhe fazia visitas intimas periodicas
Visitas onde, na rua
Conseguiram achar a moradora, que, entorpecida por algo que achara na esquina
nao quis falar com eles
Ola, gentil senhora
Viemos aqui falar que sua senhoria passou dessa para uma melhor hoje
-Senhoria: pergunta ela, estirada na calcada, com um olhar de desprezo e desconfianca
Nao sou de ninguem nao
Nao, senhora, veja bem , seu homem se foi, agora devemos substituir esse lugar
a mulher levanta, com raiva, e quebra uma garrafa na cabeca de quem falou
tentam capturar a mulher, mas ela sai correndo por meio dos carros
por fim, pegaram o violao do homem
e cantaram gita do raul seixas
depois entregaram o violao pra outro colega que precisava
porque também tinha muita goteira em seu lar
o vermelho do sangue do colega
que ninguém soube o nome
foi pisado tantas vezes
lavado de tantas solas de sapato
foi tornando-se cinza,
cinza, cinza, cinza
depois de 30 minutos ninguém mas suspeita
que naquele mesmo lugar
um homem morreu
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