terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Destruído / parte um

Ipanema, 07/12/2016
Meu nome é Gustavo. Gustavo Borges Lehia. Também conhecido como Gus B`Lehia, ou só baleia.
Fui para a festa me sentindo o rei da beleza. Com terno de grife e sapatos lustrosos, não teria para ninguém.  Chegando a portaria, vejo o chão brilhante e as obras de arte requintadas, dá vontade de sair quebrando tudo para acabar com a ordem irritante desse lugar. Plantas, fontes, estatuetas, tudo minuciosamente arranjado. Subo pelo elevador com portas deslizantes, contém um espelho enorme de corpo inteiro, olho para mim, esboço um sorrio, olho para o teto. Chegando à cobertura, vou até a porta de madeira de lei e aperto a campainha. Meu antigo colega de escola me recebe, de smoking, e diz:
-Entra aí, Gus! Nisso, ele já está entrando para dar atenção a outras pessoas.
O ambiente é bonito, todo cheio de luzes neon, um sofá moderno listrado no centro, um bar no canto, janelas com vista para o mar, parece cenário de filme. Muitas pessoas mesmo, indivíduos endinheirados que bebem até perder os sentidos para abafar as vidas ligeiramente vazias que a maioria deles sustenta. Mulheres de vestidos coladíssimos, se preocupando com nada mais nada menos com a aparência, em busca de alguma diversão para o pós-festa.
A maioria das pessoas me é nova, amigos recém-conquistados pelo meu colega, logo, dou umas voltas para analisar quem me agrada. Sim, eu só vim por segundas intenções, na verdade acho esse pessoal muito chato. Mas, muito tempo sem me divertir com alguém, fiz esse sacrifício.
Não sou bonito. Tenho uma barriga protuberante, dentes ligeiramente acavalados e um cabelo liso e seboso que não ajeito de jeito nenhum. Mas tenho uma autoestima mediana. Encarava algumas mulheres, elas desviavam o olhar. Algumas se lembravam de mim, nunca fui a pessoa mais divertida, ou a mais esperta. Sempre fui o mediano. O tapa buracos. Mas hoje só haveria um buraco que eu precisava tapar, ah sim.
Comecei a beber. Peguei a garrafa da bebida mais forte, algo parecido com um absinto, e fui derramando o conteúdo na minha boca. Gosto de morte. Bom. Eu, um deslocado meio antissocial, em uma festa de gente rica e refinada. Quem diria que esse seria meu futuro promissor. Todos sorrindo muito, tanto que incomoda. Sorrisos brilhantes, reluzentes, de suas últimas sessões de clareamento. Essa felicidade que emana deles, com seus futuros assegurados, seus relacionamentos longínquos, toda essa babaquice me enoja. Eu tinha me esquecido o quanto repudiava essa gente.
Percebi que as pessoas ou não se lembravam de mim, ou evitavam contato. A solidão me consumiu por completo, notei que não tinha nenhum amigo próximo, ninguém para ser meu parceiro no crime, ninguém para contar minhas novidades, e que talvez vir aqui tenha sido um erro.
Ah, não foi. Melhor beber.
E eu, no meu estado de torpor, fui para a pista de dança improvisada, perto da televisão. Estavam dançando funk, umas batidas bem caracteristicamente gerais e comuns, e eu me soltei, comecei a tentar mexer meu corpo, embora ele não tenha sido projetado para dançar.
Não deu muito certo, se eu estivesse sóbrio pararia. Mas não parei. Comecei a dançar ao lado de uma garota que estava muito empolgada também, ela estava muito feliz em seus saltos enormes e vestido azul brilhante, com seu cabelo platinado. Mexia seus braços, seus olhos castanhos me fisgaram, e por um momento eu estava só com ela.
Eu olhava para ela, e me devolvia um olhar tão cândido e repleto de amor, como se fosse a primeira vez que eu olhava para alguém, de verdade. Ela tomou minhas mãos, mexendo as para lá e para cá, e depois de muito tempo, me senti vivo. Esqueci toda a carga negativa que me levava aos lugares mais escuros, só queria continuar naquele momento, mesmo que meio estúpido e descontraído.
 Todo o pessoal ao nosso redor sumiu momentaneamente. Bebi mais, percebi que estava com a garrafa nas mãos. O cansaço me atingiu e fui me direcionar para o sofá, mas sem esquecer a garota que continuava chamando a atenção de todos na pista de dança. No caminho para o sofá, esbarro em uma mesa de canto, derrubo umas duas garrafas, uma quebra instantaneamente, a outra rola para baixo da cômoda. As pessoas se assustam, e um antigo rival da minha série diz:
-Só podia ser o Baleia, nunca muda.
E assim concorda todo um coro de gente que nem imaginava que estava ali, olhando.
-Porra, só faz merda, esse gordo.  Diz um colega do mesmo. Os olhares de ódio dos rostos deles me faz ter flashbacks de quando eu tinha que conviver com os mesmos, e como eu sofria. E pedia para sair daquele inferno, e meus pais nunca me tiraram.
Sentia-me tão sozinho naquele lugar, só queria tomar um pouco de ar , antes que eu perdesse o controle. Baixei a cabeça, não reagi aos insultos deles, fui ao sofá. Fiquei muito nervoso, batendo dentes, arrancando pele dos cantos de minhas unhas, há muito roídas.
Quando já estava começando a sangrar levemente e doer consideravelmente, a garota do vestido azul claro sentou ao meu lado, tacou a cabeça para trás, e disse, com voz lindamente embriagada:
-Porra, tu saiu do meu lado! Nisso ela tacou o braço para frente, no objetivo de me alcançar, encostando-se ao ar entre mim e ela.
-Não estou bem, querida. Respondo eu, seco, e ainda com raiva de mais cedo. A coragem tomou conta de mim.
-Me beija? Perguntei eu.

-Não! Exclama ela, feliz da vida, mas mal conseguindo manter seu tronco ereto, ia quase deitando no sofá. 

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