sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
Relógio azul com fundo rosa
Um homem sentado no canto, mão na cabeça, olhos azuis fatigados, uma mochila, espécie de mala, com ele. E um relógio. Um relógio azul escuro, números brancos, e um fundo rosa choque. Sapatos engraxados, nao sei se vai trabalhar ou se já foi. Olha para cima, como que sonhador.Mas não é um olhar de esperança. É como que um olhar
angustiado, semicerrando as pálpebras conforme o trem se desloca. E ele deixa
os olhos penderem, quase fechando, mas não os fecha, como se quisesse provar
para si que ainda restavam forças, que não cederia tão facilmente. E coça o olho, sempre alerta, vislumbrando a paisagem que
passa diante de suas órbitas, rápida como os anos de sua juventude, agora
deveras distante. No momento, há rugas em sua
testa morena, pés de galinha nos cantos de seus olhos, suas mãos são frágeis e
repletas de veias saltitantes. Mas e o relógio? Em seu torpor de roupas preto e
brancas, seu relógio quebra a melancolia que encobre seu ser. Em meio aos tons,
ausência e presença completa de cores, há algo exótico ali no meio. Seria um
presente de aniversário de filhos, dois, uma garota e um garoto, que tentaram
estabelecer um presente com uma equidade de cores superficialmente
representativas? Poderia também ser uma memória física de sua infância, quando
tudo era colorido e mágico, vivo e pleno como o relógio de plástico. Mas também
poderia ser uma lembrancinha da mulher desajeitada, que na hora da compra
pensara ser o presente ideal, mas depois percebera o quão deslocado ficaria agregado a imagem de
seu marido? E será que ele quer usa-lo? Que o acha bonito? Que gosta de usa-lo?
Será que não passa de gentileza para com sua família? Que, na verdade, o
relógio o desagrada, sua vivacidade o irrita? O lembra que os tempos passam
rápido e que a hora dele já passou? Não, ele não tem um semblante irritadiço, não
parece guardar rancor em seu coração. Parece, apenas, que suas forças foram
sugadas, na rigidez que ele cruza os braços, um gesto claro de proteção,
autodefesa involuntária. Por fim, ele deixa-se ceder, talvez desconfortável por
eu estar o observando, fecha os olhos e embarca em um sono que nunca saberei se
é superficial ou profundo. Provavelmente o primeiro. Ele tenta achar sossego em
meio ao caos. Quando eu me dou conta, depois de várias estacoes, não o vejo
saindo, meus olhos não tem a chance de se despedir. Fico triste com isso.
Espero que o relógio seja passado adiante. É um bonito objeto.
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