Gabriel é o orvalho que amanhece nas árvores após uma noite fresca. Uma brisa de verão por entre territórios desolados,a poética de Gabriel de França Caetano é habitar corpos deixados a mercê do tempo e lhes oferecer mais um sopro de realidade, como em Esse é um ótimo lugar para esperar as folhas caírem (2021).
Gabriel propõe uma apreensão paralela do tempo, para além do frenesi constante e irrisório do cotidiano, o olhar que o artista provoca é o de procurar dentro de si a lupa, esta para enxergar o pólen perdido das asas da borboleta. Gabriel propõe percursos, explorar narrativas, que quando não facilmente preenchidas fisicamente, o são poéticamente, ocupando brechas e silêncios com sua subjetividade que aquieta, mas floresce.
Gabriel é uma viagem a um tempo de contemplação melancólica, de nutrir-se de seus próprios pensamentos como um sistema de motor silencioso, sempre alimentando uma lareira interior com a curiosidade característica das crianças. Gabriel é o admitir-se criança, nunca ter deixado de sê-lo. Gabriel é o não engessamento do corpo adulto, como em Benjamin:
O autor constrói uma crítica contundente à pretensa experiência vangloriada pelos adultos e ao fato destes se referirem aos mais jovens não raramente como inexperientes. Por isso, o titulo está entre aspas, pois se trata de uma ironia para com a concepção moderna de experiência. A “experiência” do adulto é inexpressiva para o jovem, pois ela é tecida em uma rede de dogmas, verdades e pretensões que se ajustam a uma posição autoritária, individual e cética.
Gabriel é o esperar, é o apreender o mundo com olhos que não buscam olhar através, passar pelas instâncias físicas e metafóricas que lhe aparecem em seu percurso, mas esculpir poéticamente, conceber e acolher as formas para que estas ajudem a calcar seu caminho.
Gabriel é despir-se de carcaças e couraças, é o corpo desnudo que encarna a performatividade de um pinheiro, oscilante ao vento, é o saber que em qualquer momento podem vir pedras e serras para lhe desfocarem o sorriso, mas seu corpo-convite encara este Outro e lhe sussurra: ''Aqui estou, este sou eu.'' Gabriel é o convite ao imaginário, a um procedimento experimental de não apenas esboçar os outros corpos que ocupam as diversas realidades, mas mimetiza-los.
Gabriel é o convite a escuta ativa, é fôlego que habita por entre as árvores, algumas derrubadas, outras repousando firmemente, suavemente balançando com a brisa do verão. Gabriel é o convite a olhar o corpo através da fantasia, do lúdico, é o preencher espaços fisicamente para perceber a dimensão áurea de sua poesia, o silêncio como potência para escutar e abraçar os seres que constituem o entorno, sejam animados ou não.
Gabriel é a mão que se estende, como em Oferta ( 2019) , é a leveza de uma garoa de outono que beija o solo, perguntando: ''Deseja refrescar o rosto? '' Se não, deixe que os seres inanimados, os animais habitem o corpo poético, Gabriel é a encarnação do Sátiro que concebe a grama, as árvores e o céu como seus parentes, seus íntimos amigos. Como uma aranha tece sua teia, Gabriel tece seus trabalhos com o cuidado de um exímio artesão, a teia firme e brilhante com as gotas de chuva que nela se prendem, forte como as pontes de hidrogênio que estruturam a molécula da água.
Gabriel é uma pergunta, ''Você gostaria de passear sobre as nuvens?'', de olhar a paisagem florescer, murchar, de observar os tons de amarelado e rosado que são trazidos com o pôr do sol, de perceber as nuances da fala, dos olhares, dos sons e sentidos. Gabriel é o espaço entre, a contemplação não utópica do meio, as inseguranças e medos embalados como em finos envelopes de seda em sua psique, proporcionando as espectador um pouco das reflexões, ás vezes tão cristalinas e claras como um suspiro na superfície, outrora um profundo mergulho acerca da perfomatividade de nossas instâncias corriqueiras, acerca do habitar.
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