quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Uma pedra no meio do caminho

 Acorde. Não o musical, mas acorde. A proposta do trabalho de Gabriel França é estalar os dedos timidamente a frente do interior do apreensor, de quem se depara com o trabalho. É o pedregulho que faz reverberar ondas no lago, é o impulso subjetivo atravessando quem escuta, e quem se depara com a Instalação Sonora em seus locais mais inusitados. 

E há quem se pergunte, ''De onde está vindo o som?'', este é o enigma, de certo grau cômico, faz o olhar se deslocar para locais distintos, o local em que o indivíduo imaginaria estar esta pedra, quem sabe a sua frente, ou trás? Apenas a suposição do local onde a pedra estaria, é um processo que evoca imaginação, que suscita um cenário, uma atmosfera que ressalta o ambiente a sua volta.

Há uma pedra no meio do caminho. Há uma crise entre nós, um momento de ressurgir, de reconstruir, a partir da mínima oscilação e alteração do fluxo de consciência que se passava por praças, saguões e espaços públicos, suscitando indagações: o quão inusitado seria uma pedra que fala de si? Busca-se o artifício da norma ''arte-contemporaneizante'' de que algo precisa ser complexo, difícil, elaborado com vários recortes e camadas, e o público se depara com este corpo natural, cirurgicamente tratado, mas tão minuciosamente trabalhado que mal se percebem as cicatrizes de outrora.

Quem diria que a célebre frase do poema de Carlos Drummond de Andrade seria apropriada na obra do artista visual Gabriel França, como as palavras do escritor constituem o portão-portal que introduz o mergulhar em sua poética. Há uma pedra no meio do caminho, há flores nas calçadas que adentram os bosques na obra de Gabriel França, e elas são dispostas nas frestas, nas sombras, para que o sujeito despercebido não pise-nas.

No meio das certezas que perpassam mentes exauridas, muitas das quais dispostas em frios e apáticos depósitos, lhe vem um sussurrar por via sonora, uma dúvida, em tempos de tantos pontos finais, uma vírgula. Se as retinas quedam-se demasiadamente fatigadas, Gabriel Caetano propõe o sopro da indagação como uma onda no mar quebra, que os ouvidos apreendam o que os olhos negam fazê-lo.

O visual e o sonoro se mesclam em dança poética que orbita natureza, silêncios, percussos, dúvidas e corpos. Uma ativação sonora no espaço, o ''ser'' em ''estar'', sem necessitar da justificativa de fazê-lo. Nos portamos, tão pequenos, em nosso microcosmo bolha-rede social, olhando para o caminho e esperando não nos depararmos com opiniões adversas, pontos fora da curva, raciocínios não lineares, dentre outros.

A obra de Gabriel França é necessária, propondo as inúmeras performances do corpo de quem encarna o sujeito que se depara com o objeto, mas sua obra esconde o oposto: O sujeito é a pedra. Pelo ponto de vista da Pedra, nós somos o objeto, e este cenário é frutífero para inúmeras interpretações, ''Tinha um sujeito olhando para todos os cantos deste espaço em que me encontro, me procurando''.

Que a pedra, este território estranho, lembre que sempre hemos de passar pelo desconhecido, que muitas vezes o desconhecido desperta o adormecido no indivíduo, que este momento de crise, pode ser a quebra de um padrão de comportamento. Que a pedra pode ser, como na poética de Caetano, fragmento de natureza que, por entre as moléculas de carbono, seja o mesmo constituinte que o corpo que realizou sua cirurgia, que o corpo que escutou sua voz escondida, que o corpo que aqui se encontra escrevendo.

O trabalho de Gabriel Caetano visa estabelecer uma apreensão menos arbitrária ou parcial da Pedra em si, mas do questionar tudo que está em seu entorno, a pedra é apenas a materialização do Outro. E se a Pedra for uma questão do indivíduo consigo mesmo? E se a pedra fosse a projeção da frustração, por que não poderia também ser a projeção da mudança? Por que não atravessar este corpo-instalação como o rio faz com as pedras, envolve-nas, abraça-as, e flui.


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