quarta-feira, 18 de agosto de 2021

artista pesquisador pontos

'' Isto pode indicar um momento particularmente favorável para a área de artes na universidade, uma vez que um número expressivo de artistas atuantes junto ao circuito de arte pode trazer, para dentro da academia, um fôlego de trabalho urdido em outras instâncias da interface arte/sociedade.''

Em tempos de descarte e descrédito, podemos dizer que a pesquisa em arte no Brasil sobrevive, em padrões filosóficos e críticos incríveis, mediante a ausência de recursos. Se tivéssemos a cultura das galerias mais enraizada, como na Inglaterra, talvez tivéssemos muitos mais artistas despontando e conseguindo viver de suas pesquisas, aulas, dentre outros. Cabe a nós saber se adaptar ás dancinhas tik tok.

''Atenção: não há aqui qualquer hierarquização apressada: trata-se de apostar na presença da arte a partir da universidade como um caminho de ação possível – e potente – para os artistas contemporâneos, e então reforçar as possibilidades de intervenção que se abrem'' 

Muitas vezes o discurso da arte contemporânea a partir da universidade acaba caindo, sem perceber ( ou percebendo) na hierarquia intelectual, são lugares finos e quebradiços que precisamos nos atentar. Como pensar o objeto de estudo? Como pensar oa lugares a serem ativados, e quais?

sa -se a partir de uma mediação diversa daquela a que estamos acostumados dentro do circuito de arte habitual: trata-se do aparelho acadêmico afirmando sua presença, impondo-se como interface concreta – à qual devemos especialmente atentar – ao conjunto de caminhos a partir das quais se apreendem as questões artísticas. Logo, é preciso pensar onde residem – e quais seriam – suas especificidades. 

''Se a universidade é parte de um circuito mais amplo, pertencente ao sistema de arte, não se pode perder de vista a dobra própria que constitui e deflagra neste circuito: aí temos que estar atentos, se queremos que as ações no campo da produção artística, crítica, teórica e histórica geradas na universidade produzam algum efeito de intervenção no quadro geral dos saberes, na dinâmica ampla.''

Acredito que um dos nossos papéis, enquanto universidade pública, gratuita e de qualidade é incentivar a circulação da arte nos mais diversos meios, principalmente entre os que não se denominam ''artistas'', e estabelecer um olhar crítico sobre o meio, abrindo brechas e oportunidades para outras formas de apreensão do mundo, para a concepção democrática que qualquer ponto de vista é valioso e único. É necessário que continuamos a incentivar a produção de arte independente de galerias e instituições, que ressaltemos cotidianamente que a arte, a poesia, a música, a dança, nos nutrem de vida, é o que mantém e auxilia nossas máquinas desejantes, cito Deleuze, a continuar em movimento.

'' Enquanto habitantes do polifacetado mundo contemporâneo, estamos habituados a diversos deslocamentos, e a cada vez (praticamente passo a passo) somos capturados por diferentes circuitos: é em uma multiplicidade de redes que nos deslocamos.'' 

Pelo menos eu me considero Artista Lutadora Pesquisadora Performática da Vida, Curadora, Editora, Poeta, Potência desejante ao exponencial infinito do espectro virtual, corre tinta pelas minhas veias, por isso se me esfaqueiam, a pessoa fica coberta de tinta e fica inspírada. 

Sobre ser um artista pesquisador não significar necessariamente ser um artista do circuito artístico vigente: Tranquilamente, assim como um artista de rua pode não se considerar um artista pesquisador universitário, ou um artista de palco pode não se considerar um teórico, ou um artista que pinta flores e está imerso no circuito e detêm grandíssimo capital acumulado e vinculado a sua obra, uma coisa não exclui a outra.

'' espaços de conexão que permitam aflorar as especificidades dos diferentes lugares, para nesse jogo evitar o enclausuramento em um ou outro lado'' Justamente, meu evento, que mediei com ajuda de Bruno Oliveira, curador e artista, foi pensado com esta perspectiva: englobar música, tatuagem, arte política, graffiti, pintura, gravura, performance, dentre outros. É nosso papel como artistas-pesquisadores encontrarmos as difíceis portas que estão espalhadas e escondidas no circuito e fora dele, trazendo narrativas, dialogando e tecendo firmes redes.

Sobre a arte que se mantém por trás dos muros, mal sabemos por onde começar, uma vez que a escola de Belas Artes, junto com a de Arquitetura, foi transferida para a Ilha do Fundão, local espacialmente desfavorável para a integração democrática e o convite aberto ao público, que, sim, se dá , mas em minúcias, uma vez que estamos distantes de polos culturais e até habitacionais. Outro ponto é como o discurso de arte na universidade ainda é ''difícil'', de repertório e desenvolvimento contínuos, que envolve um trabalho no olhar que muitas vezes não é exercido em maior escala, o que leva a incompreensão da pesquisa do artista, e consequentemente, de sua obra.

A arte acadêmica não se deve manter apenas na academia, decerto. Muitas vezes ela o é, mas muitas vezes o artista parte de seu ponto de vista, de sua localização, e a academia lhe confere legitimidade e embasamento para adentrar a construção de sua rede de significados. Como Basbaum defende, a academia como um portal para poder ter acesso a esses outros circuitos, a estabelecermos conexões e vínculos dentro e fora do circuito, e mais, como artista presente na academia desde 2017, confesso que o que me é mais valoroso nessa trajetória são os vínculos, contatos e vivências que a academia me proporcionou, além de ter alargado meu campo de visão a proporções globais. Inclusive sinto falta de ir tomar um cafezinho no intervalo das aulas, conversar com os colegas que estão desenhando as árvores e o cenário do jardim interno do prédio da Reitoria.

Acredito que o nosso papel como artistas pesquisadores é auxiliar, sempre, na integração da academia e sociedade, na utilização de discurso que o outro poderá facilmente apreender, que este Outro seja perpassado por afetos, por situações subjetivas que lhe permitam experienciar o mesmo ou parecido com que o artista pensou, que ele possa nutrir uma conversa descontraída acerca da dúbia noção de arte-pixo, das polêmicas envolvendo arte performática, da noção errônea de artista gênio, etc. Que o artista pesquisador ajude, auxilie no processo artístico de pessoas de fora da academia, proporcionando um pouco do sopro subjetivo e libertador que a arte pode conferir, uma discussão , uma palavra, uma imagem, uma conversa, uma vivência, uma experiência.

Se o que mais incomoda o artista pesquisador é a legitimação institucional burocrática, que ele vá fazer administração. 

''assim como o esforço em produzir um desvio do circuito que se propague pelos meandros da universidade certamente conduzirá uma corrente de ar que poderá dissolver certos hábitos normativos próprios do espaço acadêmico, que frequentemente impedem a emergência de processos''

 É sobre isso, sobre talvez ser interessante estabelecer a crítica institucional e chacoalhar instâncias normativas acerca do que seria arte nos prédios de engenharia, medicina , filosofia, etc! É sobre o Fauno de Gabriel França habitando o espaço, tocando sua flauta, instigando a todos se perguntarem o que um ser mitológico faz pelo ateliê de escultura e jardins, é a pedra que se desfalece de Vivian se arrastando pelo concreto, é a cadeira gigantesca de Roger no bandejão, cadeira que ele mesmo forjou, é Luana Gatti vestindo uma roupa tão cheia de propagandas que mal se pode ver seu rosto, desfilando pela universidade, são os fios de Vinicius Davi que conduzem tudo a um olhar coercitivo sobre a matriz humana, é o momento de apreensão do meio, é a escuta, é o momento em que são experimentados mecanismos de romper com a performance cotidiana do meio em que habita, em que estuda, em que se vive.

É necessário fôlego.

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