acorde, olhe ao seu redor, perceba esta aglomeraçao de nadas, todos os outros seres humanos desapareceram do globo, sumiram. O que você faz? eufórico, vai a todas as joalherias e coleta jóias preciosas e coloridas: elas valem o valor que voce, apenas, atribui a elas, podem valer tanto quanto os pedregulhos e rochas pelas calçadas. Vai aos bancos e cata todas as notas, agora pedaços de papel; veste as melhores roupas, adquire veículos e espaços privados interessantes, e é isto. Quando o gozo narcísico se encerra e pode-se vislumbrar a pulsao de morte, sorrindo, comendo um pao com ovo no boteco da esquina?
O gozo narcísico, aliado a deliberada necessidade do feto de ser cuidado, de estar passivo, de ser o objeto de desejo do outro... Que sonho, se pudesse este homem, só no mundo, ter um cuidador que o alimentasse, trocasse, amasse, e assegurasse que seus piores medos sao apenas poeira ao vento. a primeira problematica que aponto nesta coluna é: Se fosse tecer um genero para essa instancia cuidadora, este seria atribuido como feminino. Talvez a segunda problematica que venho percorrendo seja: O homem, enquanto indivíduo, deseja o gozo desesperado como elemento de conforto até o fim de seus dias, sempre se nutrindo, sugando, tentando obter anima por meio de objetos e pulsões parciais. O desejo se manifesta no corpo, em espasmos.
O que é o empecilho para o gozo, nao em sua instancia sexual, mas o momento em paz, o satisfazer-se e saborear a sua condiçao no mundo? Bom, primeiramente podemos apontar o curioso fato de que, hoje, é mais interessante documentar o gozo, transmiti-lo, que procurar vivenciar o momento-espaço-objeto de interesse em sua totalidade; sociedade vigilante, fornecendo dados a todo instante, fornecemos também uma espécie de controle acerca do gozo, o que chega no dilema da transgressao, quando esse sistema esta saturado e perde seu sentido original.
a seguir, o excesso de estímuo visual, de ruído, nossas retinas se esforçam para manter o foco no anúncio publicitario, no e-mail do chefe, na comida cozinhando e no portal de notícias na televisao, tao baixo que mal se escuta o que realmente teria a informar, sendo mais interessante como plano de fundo e escape do silencio frio, a ausencia, o nada. Estamos ligados, desde ao acordar com os carros de som anunciando os costumeiros produtos, ao vizinho no telefone claramente desejando ser ouvido nao somente pelo interlocutor, mas que o Outro, que pode nao nutrir o mínimo interesse em , por ex, escutar a mesma música, divagar pelas histórias, etc, que habita os mesmos espaços, cada vez mais confinados, possa, talvez , entende-lo, apreende-lo, capta-lo.
O motivo? Talvez o próprio receptor nao o interprete de forma desejada, nao compreenda e apreenda o discurso como o emissor gostaria que o fizesse. aqui, aplicamos o simples conceito de satisfaçao essencial, em Lacan, onde é estabelecida comunicaçao, para liberar o sentido, mas o mesmo apresenta falhas comunicacionais, ou as setas de intencionalidade entre os agentes no discurso nao co-incidem sobre uma problematica comum: Decerto, podemos dizer que, na era do hiperlink, do dinamismo frenético, um dos maiores equívocos é o erro de interpretaçao. Por que? Pois, as vezes, é instancia de conforto atribuir o erro interpretativo com um ''peso'', uma ''culpa'' que acarreta na responsabilizacao deste outro, constituído muito mais de si que propriamente este indivíduo que nao lhe diz respeito. Neste momento, se ficarmos em silencio, conseguiremos escutar, talvez, Sartre rindo, afirmando que pouca coisa mudou.
►SATISFAÇÃO ESSENCIAL → comunicação → liberação do sentido → satisfação de ordem semântica → do lado do SUJEITO e do OUTRO.
└→NO SUJEITO → aprisionamento do sentido,
_______________sofrimento→ sintoma→sentido não liberado→recalque.
É vital, claro, salientarmos a importancia da analise, para que o indivíduo possa alçar a satisfaçao essencial, buscando destrinchar os nós que lhe dificultam estagios do processo comunicativo, seja na articulaçao do discurso, as formas de aproximaçao, a dificuldade em se expressar enquanto ser desejante, dentre outros.
Gritamos, falamos demais, por que nao (re-) pensar o código verbal estabelecido, procurar formas distintas para comunicar, por exemplo, nossos sentimentos. É difícil, uma vez que demonstrar sentimentos nao midiaticos e nao assimilados como entretenimento é moeda peso negativa, é imagem de valor nulo na disputa por atençao. Gritar é apelar a comoçao, a uma instancia nao racionalizante acerca de facilitar a comunicacao, mas de mobilizar em maior número, indivíduos de pensamento praticamente identico, para que se expressem em uníssono, uma vez que a atençao para adultos na sociedade é escassa. as redes sociais sao mecanismos onde a pulsao narcísica opera, e encaminham-se estímulos após estímulos para dizer e vender a ferramenta midiatica: mereço tanta atençao, desejo a sua interaçao, e que interaçao? Uma fraçao infinitesimal de segundo, um toque que faz lembrar que o sujeito ainda consegue se inserir na esfera coletiva deste aclamado ''contemporaneo'', (mas cuidado: Se nao o fizer nas próximas duas semanas, sera esquecido e substituído). Haja desapego para conseguir entender que, sim, muitas amizades sao circunstanciais, relacionamentos findam, ciclos se renovam.
Haja folego para apreender criticamente os mecanismos que estao por tras do estado e substancias que induzem ao estar fora de si, o entretenimento que consome sob o pretexto de que é apenas imagem, pois epistemologias sao fundadas, também em imagens: engana-se quem pensa que o homem opera e altera os símbolos e nao é operado e alterado, também, por eles; haja folego para encarar a repetiçao como lugar-comum e transmuta-la para lugar problema, para perceber que nossa sociedade hoje em meio a crises substaciais, pode vir a estar imersa em um grande espetaculo dionisíaco, em que se procura o gozo perdido de todos os anos que esteve em retençao apolínea, folego para lidar com os excessos de informaçao, todos querem gozar plenamente de uma anti-dor, uma espécie de comprimido natural para limpar a mente, clarear os sentidos. Como?
Pensando de forma pratica, por que insistimos em nos bombardear de mais informaçao, mesmo quando estamos saturados, cansados, ainda queremos visualizar pequenos espaços cenarios, imaginarios, ainda queremos a conduçao por linhas de raciocínio ja passadas, da concepcao de obras ate sua total banalizaçao: Eis aqui, entao, uma questao: antes de dormir, quando for desligar o celular, ou ouvir uma música, dormir sob o som da televisao, tente, durante um dia, tapar as luzes que oscilam até no escuridao total, deitar-se com as costas chapadas na cama, barriga para cima, maos paralelas ao corpo. Ir se distanciando lentamente da consciencia como um processo gradual, natural, respeitoso a velocidade do corpo. E, assim, pensar acerca do dia, da semana, em vez de procurar sedimentos midiaticos, cores berrantes e vozes que nada dizem, escutar o que seu corpo tem a dizer.
Comentando Byung-Chui Han : '' Todos querem ser diferentes uns dos outros'', o que força a ''produzir a si mesmo''- É impossível ser verdadeiramente diferente hoje porque ''nossa vontade de ser diferente prossegue igual''. Resultado: O sistema induz e viabiliza formas de ''diferenciaçao comercializavel''.Nao nos deixemos cair na tentativa de esboçar singularidade, toda identidade tem aspectos em comum com o Outro, uma vez que somos uma mesma raça, a tentativa de segregaçao na história da humanidade trouxe guerras, conflitos, genocídios. Que consigamos entender que cada indivíduo, sim, é único, através de sua singular cadeia de eventos em sucessao, que mesmo na linha do tempo de maior incidencia probabilistica, a forma de apreensao do mundo diverge, em nuances, em torno do globo. Se nós nao conseguimos enxergar essas nuances, pode ser porque estamos cheios de conteúdos midiaticos, repetitivos, gritantes, nos informando quais protocolos comportamentais seguir, moldando, em vez de acessar subjetividades realmente diversas, e em tempos pandemicos, percebemos o tesouro de poder ter o contato com outras formas de pensar o sujeito, outros cheiros, outros sabores, informaçoes que captam e apreendem os sentidos do indivíduo.
É necessario para o sistema o desejo de status, o desenvolvimento do indivíduo, a acumulaçao de saberes, a acumulacao de bens. Precisamos de clubes para que os que estejam dentro consigam estabelecer um vínculo de pertencimento e propriedade acerca da alteridade, da diferença. assim temos uma disputa de narrativas, entre um discurso igualitario onde nao se enxerga diferença epistemológica alguma entre corpos de diferentes etnias, diferentes generos, diferentes atributos estéticos e psíquicos, e os que precisam afirmar suas identidades no outro, na condiçao de sempre apontar e ressaltar as diferenças, para que sua concepçao fragil de identidade nao seja arruinada. Pergunte-lhes quem sao, e eles responderao: Nao somos o Outro, e somos orgulhosos disso.
Vemos na sociedade hoje, na manutençao da indústria cultural, todo um aparato para desenvolver mecanismos propulsores de desejo, que iriam instigar o ser a continuar manter a engrenagem girando. Cuidado com as iscas que nos mantem encarando as telas como mosquitos de luz, vidrados, procurando os fragmentos do gozo parcial que um dia foi prometido; Vendem-se sonhos, na medida em que eles nao puderem ser concretizados, vendem-se projeções do que o inconsciente crê que va ou lhe distrair, ou lhe fazer mais pertencente a comunidade vigente, ou que lhe assegure status e ascensao social, o que afague o ego, sobre a premissa de uma comédia irreverente e descompromissada, horas a fio observando produtos que nao podera consumir, pornografia que traz o desespero mediante a ausenciade sensibilidade para com o outro, o descompromisso em filmes de roteiro facil com explosões e efeitos especiais, enfim, como de costume, o objeto em tudo que nao concerne sua materialidade, mas a apreensao de um conjunto de ideias que podem nutrir e contribuir com o processo identitario do sujeito. O sujeito é o compilado de coisas-designações que consegue acumular em torno de si, O sujeito é o que ele assiste, é um consumir.
Nao ha nada de errado em designar-se a partir de gostos coletivos, paixoes, interesses similares em comunidade. a problematica é avaliar criticamente se a designaçao elaborada em questao foi estabelecida por princípios volateis, o mero ser aprovado em comunidade, o mero pertencer em troca de uma singularidade própria, sugiro falarmos sobre nossas singularidades, sobre o momento de recolher-se, o estar só consigo é necessario para entender suas designações, e para deixar claras as barreiras entre o corpo-imagem-coletivo-símbolo, e o corpo-matéria-biologia-pulsaçao-agora, que se metamorfoseia a cada dia. até mes que vem.
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