sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Relógio azul com fundo rosa

Um homem sentado no canto, mão na cabeça, olhos azuis fatigados, uma mochila, espécie de mala, com ele. E um relógio. Um relógio azul escuro, números brancos, e um fundo rosa choque. Sapatos engraxados, nao sei se vai trabalhar ou se já foi. Olha para cima, como que sonhador.Mas não é um olhar de esperança. É como que um olhar angustiado, semicerrando as pálpebras conforme o trem se desloca. E ele deixa os olhos penderem, quase fechando, mas não os fecha, como se quisesse provar para si que ainda restavam forças, que não cederia tão facilmente. E coça o olho, sempre alerta, vislumbrando a paisagem que passa diante de suas órbitas, rápida como os anos de sua juventude, agora deveras distante. No momento, há rugas em sua testa morena, pés de galinha nos cantos de seus olhos, suas mãos são frágeis e repletas de veias saltitantes. Mas e o relógio? Em seu torpor de roupas preto e brancas, seu relógio quebra a melancolia que encobre seu ser. Em meio aos tons, ausência e presença completa de cores, há algo exótico ali no meio. Seria um presente de aniversário de filhos, dois, uma garota e um garoto, que tentaram estabelecer um presente com uma equidade de cores superficialmente representativas? Poderia também ser uma memória física de sua infância, quando tudo era colorido e mágico, vivo e pleno como o relógio de plástico. Mas também poderia ser uma lembrancinha da mulher desajeitada, que na hora da compra pensara ser o presente ideal, mas depois percebera  o quão deslocado ficaria agregado a imagem de seu marido? E será que ele quer usa-lo? Que o acha bonito? Que gosta de usa-lo? Será que não passa de gentileza para com sua família? Que, na verdade, o relógio o desagrada, sua vivacidade o irrita? O lembra que os tempos passam rápido e que a hora dele já passou? Não, ele não tem um semblante irritadiço, não parece guardar rancor em seu coração. Parece, apenas, que suas forças foram sugadas, na rigidez que ele cruza os braços, um gesto claro de proteção, autodefesa involuntária. Por fim, ele deixa-se ceder, talvez desconfortável por eu estar o observando, fecha os olhos e embarca em um sono que nunca saberei se é superficial ou profundo. Provavelmente o primeiro. Ele tenta achar sossego em meio ao caos. Quando eu me dou conta, depois de várias estacoes, não o vejo saindo, meus olhos não tem a chance de se despedir. Fico triste com isso. Espero que o relógio seja passado adiante. É um bonito objeto.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Bolsos e Bolsas

Você já tentou correr com uma bolsa pendurada em um dos ombros? Ou então, já esteve em um show de rock, e precisou colocar as mãos nos bolsos para o conteúdo que se encontrava neles não caísse e fosse pisoteado abruptamente por brutamontes metaleiros? Pois é. Conheça a teoria conspiratória - BOLSOS + BOLSAS.
Bolsas. Artefatos de couro, camurça, plástico, ou materiais ligeiramente mais vagabundos. Totalmente não práticas para quem mora no rio de janeiro. Alças curtas que escorregam dos ombros, e o fardo da bolsa batendo em você se andar um pouco mais rápido. Um artefato que valoriza a estética, pois bem.
Futuros contratantes, usarei meus melhores ternos se, no futuro, precisar dessa vestimenta para trabalhar. MAS VOU LEVAR UMA MOCHILA PARA TRANSPORTAR MEUS BENS. PONTO.
Não sei quem botou na cabeça dos publicitários e designers de moda que toda mulher ama usar bolsas.
E o que me intriga é que algumas pessoas conseguem nutrir conversações complexas sobre marcas, estilos, um diálogo que endeusa a estética e a maravilha que são os acessórios. E tecem comentários sobre as bolsas das outras pessoas, elaboram críticas e elogios, julgando os demais e seguindo seus respectivos estilos.
Desculpe-me, eu sou uma pessoa que nutre certo repúdio por acessórios. Gosto de nadar, lutar, shows e aventuras, não uso brincos, pulseiras, colares, anéis, perco tudo e acho deveras desnecessários. São apenas mais um bando de coisas para te enfeitar como uma árvore de natal.
Voltando a pauta: bolsos. Designers de calças/ shorts femininos e de bolsas se uniram para uma estratégia maligna: vamos diminuir os bolsos de qualquer peça jeans feminina, assim elas precisariam urgentemente consumir nossas lindas bolsas. Assim, quando uma mulher desprovida de interesse nas sacolas de couro, como eu, precisa colocar as chaves no bolso, fica uma protuberância duvidosa no jeans, uma coisa linda de se ver.
Não cabe identidade nesses bolsos, não cabe carteira, enquanto nas mesmas peças, mas masculinas, tem espaço para tudo isso e muito mais. Minha carteira de identidade está toda amassada, coitada. Os fabricantes de calças ficam tão obcecados com a estética de uma calça feminina apertadinha que se esquecem da praticidade, deixando os bolsos praticamente obsoletos. Quantas vezes eu tive que pedir para um amigo levar alguma coisa para mim por falta de espaço nas vestimentas?

Está aí minha crítica. Enquanto houver apenas designers desse tipo, vou ter que continuar botando meus pertences nas botas durante os shows, do contrário, eu pulo, tudo que está no bolso voa. Por um mundo com bolsos dignos nas peças femininas e menos endeusamento de bolsas.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Sonhos ruins

Tristeza.
Sinto a tristeza fazendo uma pressão interna indescritível.
É como se todos os sentimentos negativos se juntassem e acabassem com os resquícios de coisas boas em mim. Pensamentos ruins, sonhos ruins.
Sonhos de coisas se dilacerando.
Sonhei que eu enfiava uma tesoura no meu estomago. Sonhei que baratas se prendiam em mim, que fios eram puxados das minhas clavículas, que pessoas agrediam umas ás outras, que animais eram mortos sem dó.
Quando meus sonhos ficaram tao pesados? Eu não me lembro de ter sonhado coisas bonitinhas há muito, tanto tempo que não me lembro.
Tanto tempo, mas me lembro dos péssimos. Me lembro dos pesadelos em que brigava com minha família, em que eu chorava na vida real e no sonho.
Eu arrancando bolinhas azuis dos meus dedos, como se retirasse todo o recheio de mim.
Eu fazendo prova. Se não são sonhos macabros, são sonhos muito estranhos, ou ligeiramente eróticos. Acontece.
A questão é: Estou cansada, sabe.
Eu queria sonhar coisas bonitinhas. Um sonho tranquilo, não sei. O último sonho tranquilo e normal que eu tive e me lembro, era de quando tinha 10 anos e gostava de um garoto da minha escola. Eu sonhava que conversava com ele e o beijava, olhem que fofo e inocente.
A tristeza é como se fosse o chá que tomei há pouco, esquenta meu corpo todo, se funde, se espalha, e percebo que a essência dela é inerente ao meu ser.
Se é inerente, precisamos aprender a lidar com ela, né amiguinhos.
Mas sabem, prefiro sonhar coisas horríveis do que não sonhar nada.
Se precisamos estudar tristes, estudamos tristes.
Acontece.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Bichos

Um dos sonhos mais perturbadores que tive.
Estava eu na casa de algum amigo/a. Tudo bem. De manha, cerca de dez horas. Resolvo subir as escadas e me encontrar no terraço coberto da casa, era um dia nublado. Telhas ficavam acima de minha cabeça, mas dava para ver um espaço aberto. No final do canteiro, umas trepadeiras, umas plantas altas. Andando um pouco por lá, via uns materiais de construção, uns entulhos, e uma cama elástica. Eu amo camas elásticas, tenho paixão platônica por elas. Chegando perto, vejo cerca de três meninos pequenos adormecidos, pergunto ao dono da casa o que aconteceu, ele me disse que os três estavam brincando tanto que pegaram no sono ali mesmo. Aqui  as coisas ficam bizarras. O tal dono da casa veio falar comigo, no tal terraço, e eu sinto algo estranho no meu cabelo, como se algo tivesse pousado nele, se agarrado nele. Sinto que meu cabelo fica cada vez mais embaraçado, mas tudo bem. Ainda sentia esses mini empurrões e sabia que tinha alguma coisa errada. O caseiro falou para mim:
-Acho que tem uma barata no seu cabelo.
E eu gritei:
-AHHH! TIRA, TIRA!
E ele começou a catar baratas presas no meu cabelo, eu estava quase chorando. Ele tirava várias, fazia um verdadeiro ninho no meu cabelo, e elas nunca paravam de chegar, e eu só pedia a ele que tirasse logo, volta e meia eu via alguma presa em uma mecha perto do meu rosto, vontade de vomitar. E ele arrancando, com força, e eu falo:
-Não é possível. Eu vou virar para frente para encarar esses demônios.
Então, fica ele mexendo no meu cabelo, e eu de frente para onde elas vinham. Vem uma, do lado das trepadeiras, voando a velocidades estratosféricas, E DÁ COM TUDO NO MEU OLHO ESQUERDO. Eu vejo o inseto voando muito rápido, na minha direção, destemido, suicida. Ela basicamente se explode ao bater no meu olho, que deveria estar protegido pela lente do meu olho, mas não repele a investida que a barata dá. E assim vem várias, e todas vindo em linha reta, atingindo meu olho esquerdo. O que aconteceu com o corpo delas? Acho que foi pulverizado com o impacto, só sei que suas asas se transformaram em palhetas. Isso, palhetas, de tocar violão, guitarra. Essas palhetas eram meio grudentas e ficavam se acumulando entre meu olho e minha pálpebra, e eu precisava ficar tirando, estava me incomodando de verdade. Eu tirava pilhas de palhetas, as asas mortas das baratas que vinham me acertar. No final, eu não aguentava mais e estava com o olho esquerdo muito vermelho e inchado, e pedi para ir ao hospital. Na escada, eu expressei a minha angústia:
-OLHA ISSO! AS ASAS DELAS VIRARAM PALHETAS! PELO MENOS VOCÊS PODEM VENDER ESSAS DESGRAÇAS!
Mas as palhetas não apresentavam desenhos ou coisas bonitinhas, eram palhetas brancas, simples, com algo insignificante escrito. E assim fomos ao hospital. Chegando lá, sou posta em uma maca, e a doutora fala para meu amigo que ``o meu reflexo tende a cada vez decrescer, se já é ruim agora, depois vai piorar``, e a causa disso foi a pior possível. Pois eu tinha muita esperança. (?). Enfim, a médica diz que nós não temos colírio, ela poe uma compressa com soro fisiológico sobre meus olhos, e sai. Enquanto ela está fora, tiro a parte do olho direito e procuro por informações sobre o meu estado. Vejo um quadro na parede que fala sobre Dengue ou Febre amarela tipo B. Criei uma doença no meu sonho. Essa última seria transmitida por ratos, morcegos, e ... baratas. Eu começo a entrar em pânico, quando a doutora chega, pergunto-lhe se tem risco de eu contrair febre amarela tipo B. Ela diz que tem uma probabilidade muito mínima.

Foi basicamente isso, deveras perturbador.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Auxílio

-Doutor, eu tentei me matar de novo.
-E não deu certo?
-Não consegui, doutor!
-Qual foi o método?
-Tentei me jogar do décimo andar.
-E o que houve?
-Caí no chão, quebrei muitas costelas, uma perna, um braço, mas sobrevivi! Ah , um traumatismo craniano também. Depois de cinco meses, fiquei bem da cabeça.
-Já tentou se jogar de novo?
-Olha, doutor, eu não tenho mais coragem, já passei por isso uma vez, é muito ruim.
-Já tentou colocar uma arma contra a cabeça e atirar? Funciona!
-Meu amigo tentou fazer isso, sabe doutor, e a arma escorregou para frente e abriu um buraco na parede dele! Não é como nos filmes, as armas escorregam e dão um tranco danado. Além do mais, é difícil conseguir a arma, só com o tráfico, e isso é perigoso.
-Tudo bem... Corda?
-Pelamor, morro de medo do sufocamento.
-Cortar os pulsos?
-Não sou uma adolescente de quinze anos, doutor.
-Você já repensou? Quer morrer mesmo?
-Doutor, não dá para matar uma pessoa que já está morta. Só quero me livrar dessa casca.
-Corda não, arma difícil de arranjar, trauma de se jogar... Há poucas alternativas. Você pode tentar se esfaquear, mas processo doloroso e pode sobreviver. Furada. Literalmente. 
-Ah, se eu tivesse dinheiro, doutor. Iria me mandar para o espaço e morrer por algo como despressurização. Ou ir na direção do sol até meus miolos derreterem e minha pele se descolar dos músculos e dos ossos e eu me incinerar por completo.
-Você pode muito bem botar fogo em si mesmo.
-Puta que pariu, doutor, vão achar que eu morri em um acidente! Ou como um personagem maldito do the sims!
-Hahahah, eu gostava de queimar meus sims. Ou afogar. Já pensou em...
-Não, me disseram que merda boia. Eu iria sobreviver. Mentira, eu apenas não quero morrer na água, é como se estivesse reiniciando um ciclo, nasci num útero, morri na água, não quero isso, quero por um ponto final na minha existência, sabe? Uma maneira bem concreta de morrer, que vá me dilacerar de verdade, para não haver velório nem nada dessas frescuras. Eu queria que alguém pudesse me matar de maneira inusitada, como uns assassinos particulares. O senhor pode me conceder eutanásia?
-No Brasil é proibido.
-Porra, doutor. Já tentei até ingerir uns dez comprimidos de paracetamol , vomitei tudo.
-Por que você não tenta coma alcoólico e overdose?
-Doutor, sempre que vou beber, esse é o meu objetivo. Me tornei muito resistente. E as outras drogas mais pesadas são caras, estou sem dinheiro.
-Querido, já tentou bater com o carro? É a morte perfeita, duzentos quilômetros por hora, aventura, aproveita, bebe bastante, comete umas infrações, se diverte, e morre da melhor maneira!
-Ok, doutor. Vou pegar meu carro e fazer isso mesmo, onde pode ser? Avenida Brasil?
-Não, vai causar muito transito desnecessário. Pega uma estrada Petrópolis-Rio. Uma descida.
-Obrigado! Espero não ter que voltar aqui mais!
-De nada! Boa sorte!
*Porta se fecha com um baque*.

-Caralho, que indivíduo difícil de morrer.

Destruído / Parte 2

Um momento, indo pegar algo para nós bebermos. Digo eu, levantando, e repousando a cabeça dela, que antes estava parcialmente em meu colo, em uma almofada.
Eu sou um fracassado mesmo. Passou o momento feliz da noite. Cresci, virei um merda que individualista e egoísta que ninguém gosta, estou de saco cheio disso tudo.
Pego uma garrafa de licor de menta, uma das minhas bebidas favoritas, não vai fazer falta nesse bar imenso.
Aproximo-me do sofá, ela está quase dormindo.
-Aqui, beba. Coloco a garrafa praticamente na boca dela, e ela sorve a bebida com avidez, um bom amontoado dela. Depois é minha vez.
Sento e ponho a cabeça dela em meu colo novamente, começo a acariciar os cabelos dela. Depois de muitos goles e muitos pensamentos ruins bêbados, ela vira para mim e fala:
-Me ajuda.
Ela quer vomitar, acho. A puxo pelo braço, pergunto onde fica o banheiro a uma garota aleatória que se entrepõe sobre mim e ela. A garota diz:
-Deixa que eu ajudo! Ela sempre fica assim.
Eu respondo que não precisa, eu a levo, não estava fazendo nada mesmo.
-Mas ela nem te conhece, seu maníaco!
Eu simplesmente empurro a garota magérrima da minha frente, e lá fomos nós dois rumo ao banheiro. Havia toda uma fila na frente da porta que dizia: ``SE FOR VOMITAR, VASO SANITÁRIO``, com vaso sanitário sublinhado umas três vezes. Todos estavam ligeiramente drogados, bêbados, destruídos. Quando chegou a vez da garota, muitos tentaram me parar, dizer que era melhor não, que eu não tinha uma fama boa, que ia dar problema. Um cara da minha idade, aparentemente, veio me parar, falando:
-Qual é a tua, cara? Estuprar a mina que está mal?
Eu fiquei com tanta raiva que dei um soco na cara do desgraçado, mais rápido do que eu pensava que podia, bêbado. No mesmo momento o nariz dele começa a sangrar, e ele resolve partir para cima de mim, desvio, sempre com uma mão na garota, empurro a porta com meu ombro, e entramos os dois. Fecho a porta, giro a trava. Posiciono a mulher de quatro, sobre o vaso sanitário.
E ela vomita. Bastante. Quase dorme sobre a tampa do vaso sanitário. E eu começo a pensar coisas ruins. Pensar sobre eu estuprando essa garota vulnerável, meu pau entrando e saindo dela, conforme ela grita e pede para eu parar, tentando se defender com unhas e garras, mas eu sou maior, não adiantaria. Eu só a machucaria mais, tentando enfiar papel higiênico em sua boca para parar de gritar, ou até mesmo acertar a cabeça dela na borda de mármore da banheira desse banheiro requintado.
Só de pensar isso, me dá vontade. De verdade. Pego o revólver que vim guardando para esse momento especial, aponto para a cabeça dela. Está tão louca que nem percebe.
Não.
Ela parece uma pessoa boa. Ajeito os braços dela ao redor do assento do vaso, ajeito o cabelo dela.
Destranco a porta, saio. Saio com meu Taurus 85 na mão. Não miro. Em meio a todas essas luzes, toda essa música, todo o barulho cessa quando eu atiro, quando o trovão do estrondo da bala sendo disparada enche o ambiente. Gritos. Gritos e mais disparos meus. Disparo nas pessoas da fila, todas correndo como formiguinhas sendo dispersas pela grande mão que vai amassar elas todas. Disparo na direção das pessoas que antes dançavam, e agora todas tentam se esconder, e eu gasto as muitas balas que enfiei nessa preciosidade.
Uns dez tiros, devo ter machucado algumas, não sei se matei alguém. Acontece.
Para deixar o lugar mais pintado de vermelho, pego meu Colt e tento acertar mais gente, como em um jogo de tiro, só que de verdade. É divertido quando eu acerto o alvo. Acho que explodi uma melancia. Ou a cabeça de alguém. Vai saber.
Sou só eu, no meio do recinto, a estrela, merecendo toda a atenção que eu sempre quis. Estou feliz. Minha angústia se dissipa conforme os trancos das minhas amigas mexem com meu senso de equilíbrio, quase caio.
Escuto gritos de pessoas dizendo que fulano não respira, fulana não se mexe.
Corro na direção da varanda, portas abertas, pessoas assustadas, olham para minha arma, tentam me pegar, me parar, fazer qualquer coisa em meio a pânico e caos. Atiro neles. Taco as armas sem munição neles, elas são pesadas e nocauteiam um sujeito que estava perto de mim.
Aproximo-me da beirada, não penso duas vezes.
E eu me jogo em direção ás ruas margeadas pela praia, indo de encontro mortal com o asfalto. Doze andares, e lá foi meu corpo beijar o chão. Meu nome era Gustavo, um assassino em potencial. Ah, e nunca soube o nome da garota que me rejeitou. Espero que eu não tenha a matado também.



Destruído / parte um

Ipanema, 07/12/2016
Meu nome é Gustavo. Gustavo Borges Lehia. Também conhecido como Gus B`Lehia, ou só baleia.
Fui para a festa me sentindo o rei da beleza. Com terno de grife e sapatos lustrosos, não teria para ninguém.  Chegando a portaria, vejo o chão brilhante e as obras de arte requintadas, dá vontade de sair quebrando tudo para acabar com a ordem irritante desse lugar. Plantas, fontes, estatuetas, tudo minuciosamente arranjado. Subo pelo elevador com portas deslizantes, contém um espelho enorme de corpo inteiro, olho para mim, esboço um sorrio, olho para o teto. Chegando à cobertura, vou até a porta de madeira de lei e aperto a campainha. Meu antigo colega de escola me recebe, de smoking, e diz:
-Entra aí, Gus! Nisso, ele já está entrando para dar atenção a outras pessoas.
O ambiente é bonito, todo cheio de luzes neon, um sofá moderno listrado no centro, um bar no canto, janelas com vista para o mar, parece cenário de filme. Muitas pessoas mesmo, indivíduos endinheirados que bebem até perder os sentidos para abafar as vidas ligeiramente vazias que a maioria deles sustenta. Mulheres de vestidos coladíssimos, se preocupando com nada mais nada menos com a aparência, em busca de alguma diversão para o pós-festa.
A maioria das pessoas me é nova, amigos recém-conquistados pelo meu colega, logo, dou umas voltas para analisar quem me agrada. Sim, eu só vim por segundas intenções, na verdade acho esse pessoal muito chato. Mas, muito tempo sem me divertir com alguém, fiz esse sacrifício.
Não sou bonito. Tenho uma barriga protuberante, dentes ligeiramente acavalados e um cabelo liso e seboso que não ajeito de jeito nenhum. Mas tenho uma autoestima mediana. Encarava algumas mulheres, elas desviavam o olhar. Algumas se lembravam de mim, nunca fui a pessoa mais divertida, ou a mais esperta. Sempre fui o mediano. O tapa buracos. Mas hoje só haveria um buraco que eu precisava tapar, ah sim.
Comecei a beber. Peguei a garrafa da bebida mais forte, algo parecido com um absinto, e fui derramando o conteúdo na minha boca. Gosto de morte. Bom. Eu, um deslocado meio antissocial, em uma festa de gente rica e refinada. Quem diria que esse seria meu futuro promissor. Todos sorrindo muito, tanto que incomoda. Sorrisos brilhantes, reluzentes, de suas últimas sessões de clareamento. Essa felicidade que emana deles, com seus futuros assegurados, seus relacionamentos longínquos, toda essa babaquice me enoja. Eu tinha me esquecido o quanto repudiava essa gente.
Percebi que as pessoas ou não se lembravam de mim, ou evitavam contato. A solidão me consumiu por completo, notei que não tinha nenhum amigo próximo, ninguém para ser meu parceiro no crime, ninguém para contar minhas novidades, e que talvez vir aqui tenha sido um erro.
Ah, não foi. Melhor beber.
E eu, no meu estado de torpor, fui para a pista de dança improvisada, perto da televisão. Estavam dançando funk, umas batidas bem caracteristicamente gerais e comuns, e eu me soltei, comecei a tentar mexer meu corpo, embora ele não tenha sido projetado para dançar.
Não deu muito certo, se eu estivesse sóbrio pararia. Mas não parei. Comecei a dançar ao lado de uma garota que estava muito empolgada também, ela estava muito feliz em seus saltos enormes e vestido azul brilhante, com seu cabelo platinado. Mexia seus braços, seus olhos castanhos me fisgaram, e por um momento eu estava só com ela.
Eu olhava para ela, e me devolvia um olhar tão cândido e repleto de amor, como se fosse a primeira vez que eu olhava para alguém, de verdade. Ela tomou minhas mãos, mexendo as para lá e para cá, e depois de muito tempo, me senti vivo. Esqueci toda a carga negativa que me levava aos lugares mais escuros, só queria continuar naquele momento, mesmo que meio estúpido e descontraído.
 Todo o pessoal ao nosso redor sumiu momentaneamente. Bebi mais, percebi que estava com a garrafa nas mãos. O cansaço me atingiu e fui me direcionar para o sofá, mas sem esquecer a garota que continuava chamando a atenção de todos na pista de dança. No caminho para o sofá, esbarro em uma mesa de canto, derrubo umas duas garrafas, uma quebra instantaneamente, a outra rola para baixo da cômoda. As pessoas se assustam, e um antigo rival da minha série diz:
-Só podia ser o Baleia, nunca muda.
E assim concorda todo um coro de gente que nem imaginava que estava ali, olhando.
-Porra, só faz merda, esse gordo.  Diz um colega do mesmo. Os olhares de ódio dos rostos deles me faz ter flashbacks de quando eu tinha que conviver com os mesmos, e como eu sofria. E pedia para sair daquele inferno, e meus pais nunca me tiraram.
Sentia-me tão sozinho naquele lugar, só queria tomar um pouco de ar , antes que eu perdesse o controle. Baixei a cabeça, não reagi aos insultos deles, fui ao sofá. Fiquei muito nervoso, batendo dentes, arrancando pele dos cantos de minhas unhas, há muito roídas.
Quando já estava começando a sangrar levemente e doer consideravelmente, a garota do vestido azul claro sentou ao meu lado, tacou a cabeça para trás, e disse, com voz lindamente embriagada:
-Porra, tu saiu do meu lado! Nisso ela tacou o braço para frente, no objetivo de me alcançar, encostando-se ao ar entre mim e ela.
-Não estou bem, querida. Respondo eu, seco, e ainda com raiva de mais cedo. A coragem tomou conta de mim.
-Me beija? Perguntei eu.

-Não! Exclama ela, feliz da vida, mas mal conseguindo manter seu tronco ereto, ia quase deitando no sofá.