Estou caindo.
Isso mesmo , estou eu em um avião com destino a São Paulo, e
estou em queda livre. Coloquei meus fones, com certo custo, estão todos
gritando aqui. Se é para sentir o caos, coloco logo Dragonforce, no último
volume. Então, vamos lá... Estava eu relaxada, sentada, quando as turbulências se
agravaram em um ponto desesperador e só consegui ouvir pelo alto falante:
-Atenção, em detrimento do mau tempo, a turbina esquerda da
aeronave queimou e a segunda está ruim. Teremos que tentar realizar um pouso forçado.
Logo abaixo de nós, as grandes montanhas que separam Rio de São Paulo. Não sei
onde iremos pousar, mas algo não me cheira bem. Até que avisam que a segunda
turbina queimou e todos surtaram. Buzinas, luzes vermelhas, tudo vibra, tudo
faz muito barulho, estou tendo um show audiovisual com elementos extras ao
redor de mim, fogo nas turbinas lá fora, todos os corações dos presentes aqui
cheios de pânico e terror, um pandemônio.
Todos menos eu, olha que legal. Estou até com o cinto de segurança
ainda, embora caindo a uma velocidade surpreendente. Esse texto todo equivale a
um minuto de queda livre. Pessoas gritando, sacudindo os braços, estariam
orando para seus respectivos deuses se pudessem ter tempo para pensar
racionalmente. Queria ter um Deus para pensar: Hmmm, vou continuar existindo e
vou para o céu, mas não acredito. Vou virar comida de verme, mas vou virar
comida de verme com consciência livre. Eu mesma estou parecendo em transe,
sentada, sentindo toda essa adrenalina percorrer o meu corpo, como se eu
estivesse em um daqueles brinquedos de parque de diversão, aqueles que você cai
e no final tem uma inclinação e nada acontece. Pois é, estou sentindo isso, mas
dessa vez é para valer. Dessa vez não vai haver a recuperação do folego, é um
tiro certeiro para a morte, eu despencando para sempre. Pego meu celular, mãos tremulas,
e tento mandar a coisa mais plausível que consigo pensar em meio a tanto
barulho, tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, digito rapidamente, para
minha mãe: Te amo. Obrigada p. tudo. Droga, não deveria ter mandado isso, ela
vai chorar muito. E nem sei se o sinal está pegando, eu deixei o telefone
ligado e com internet durante o voo, contrariando as normas. Grande maravilha,
estamos caindo de qualquer jeito. Olho para o lado e vejo uma família se abraçando,
juntos como pinguins em uma nevasca. Tento pensar sobre minha vida, e não consigo
enxerga-la na frente dos meus olhos, como já foi dito. Estou pensando em como
gostaria de ter me despedido de certas pessoas, e de como algumas nem vão sentir
minha falta. Pensando nas últimas coisas
que fiz, embrulhei minhas malas, dei um beijo de despedida em meu ex-amante, e
penso... Vivi bem. Não vivi para, não sei, passar em uma prova, ou ter
dinheiro. Vivi para me divertir, para aproveitar algo da minha insignificância,
desfrutar dos pequenos ( e grandes) prazeres, fazer os outros felizes. Fiz ações
boas, deixei uns desenhos para mais de uma dúzia de pessoas, estou feliz, não falta
nada. Uma hora o bico desse avião vai encostar-se ao chão, e eu vou ser pedacinhos
voando pelo ar. Deleitante, morrer como os Mamonas morreram. Vou ter minhas partículas e a de umas cem
pessoas espalhadas por aí como sementes, comida para os vermes... Que honra,
que honra. As árvores se aproximando, o verde surgindo como um borrão, as
enfermeiras tirando os sapatos... Tirando os sapatos? Que diabos? Enfim,
continuando, não sei se gostaria de ter um revólver, agora, em minhas mãos,
para poder tirar o poder desse mundo cruel de me matar. Parece que tudo passa
em câmera lenta, haja ansiedade. Vivi em detrimento de mim mesma, fiz uns
agrados ali e aqui, ninguém vai se lembrar de mim, mas vai aparecer minha foto
no noticiário. Espero que peguem uma foto bonita. Sorrindo. Minha vida não era
flores, nem um pouco. Sempre que alguém morre, parece que a vida dela era uma
coisa espetacular, pois bem, a minha era bem medíocre, se existisse pós-morte
eu só sentiria falta de algumas coisas, essas que foram construídas com afeto,
que me cativaram. Ó, meus amigos, não chorem por mim, estou bem do jeito que estou,
era para isso acontecer. Tragédias acontecem, vamos todos seguir em fren
Nenhum comentário:
Postar um comentário