Sábado, 8 de outubro de 2016. Estava eu em casa, sozinha,
cansada de estudar coisas desnecessariamente importantes. Precisava comprar
minha passagem de ônibus para ir à linda selva de concreto que é São Paulo, e
pensei: Por que não agora? A questão era: No meu armário havia um cofre cheio
de moedas. Hoje, ainda havia o cofre, acabaram as moedas. Minto, tinha uma
quantidade ínfima, contada, a quantidade necessária para, creio eu, duas
passagens. Moedas de cinco e dez centavos, ou seja, enchi os bolsos. Eu, como
pessoa esquecida que sou, esqueci onde fora o último lugar em que pus minhas
chaves. ( Aqui em casa todos dormem MUITO CEDO, vulgo nove horas da noite),
precisava saber onde estava a porra da chave. Como sempre faço quando estou sem
paciência, pedi a meu pai a chave dele emprestada. A chave, literalmente, sem
chaveiro nenhum, nua e crua. E assim
fui, desci, fiquei uns vinte minutos esperando o ônibus, famoso 474 conhecido
por transportar unanimes figurar de viciados em crack e tudo mais. Maravilha,
tinha ar condicionado. Fiquei em pé durante cerca de quinze minutos catando
moedas. No meio das moedas estava a chave do meu pai. Coloquei a chave em cima
da mao direita e fui catando moedas com a esquerda. Em meio a caos, sacudidelas
e balanços, ( e um monte de gente subindo, eu tendo que desviar de pessoas ) ,
eu me desconcentrei e fiz uma burrada.
Das grandes. Ok, quando se está sem dinheiro é grande. E não percebi,
entrei feliz e pimpona pelo corredor estreito do ônibus. Sentara uma linda criança
ao meu lado, e todos sabem meu sentimento em relação a elas. Infantes tem esse
cheiro particular de algo adocicado misturado com um odor parecido com urina,
um cheiro muito característico de criança, úmido, enjoativo. E eu tranquila,
lendo meu livro, finalmente poderia ler algumas páginas, estava enrolando há
dias. A garotinha ao meu lado, deveria ter uns seis anos, meio gordinha e com o
cabelo pintado de loiro. Digo que é pintado, pois ela começou a cochilar e
reclinar a cabeça, via suas raízes escuras. Fiquei com pena da menina, queria
cutuca-la e dizer que ela podia deitar sobre o meu colo, se quisesse. Mas ela
ia pensar que eu era uma tia pedófila e estranha, deixei pra lá. Quando chegou
ao ponto em que eu deveria saltar, o motorista passou direto. Começamos a subir
um viaduto, e eu pensando: Para onde estão me levando? *Xingamentos internos*. Começava
a tentar identificar a paisagem, e não sabia mais onde estava. Tentei me lembrar
de qual era o ponto final do ônibus, e era uma comunidade deveras longe. Eu, então,
fiz o mais prudente: Desci quando tinha me dado conta que estava indo para um
lugar indesejado. Descemos eu, um cara e uma mulher. Perguntei a eles, na maior
inocência do mundo:
-A rodoviária já passou?
Quem respondeu foi o cara:
-Passou, há muito tempo.
E eu, perplexa e ligeiramente desesperada (passagem
contada), rebati:
-E como eu volto pra lá?
-Pode ir andando reto.
Como boa insegura, fui perguntar a mais estranhos qual seria
o melhor caminho. Eles praticamente disseram que eu seria roubada, estuprada e
esfaqueada se fosse a pé. Contra fatos não há argumentos, mas eu não tinha
dinheiro comigo, como procederia? Fui para o outro lado da rua e presenciei uma
briga entre um casal, a mulher gritando coisas como:
-NÃO ENCOSTE EM MIM!
E o homem andando rápido atrás dela, até que eles pararam,
discutiram sobre algo que eu não ouvi, deram a volta, a mulher gritou algo e começou
a andar bem rápido, o cara quase correu atrás dela, e eu só vendo, no meu
canto, ao lado do ponto de ônibus. Coisas que você só assiste nas redondezas da
Novo Rio.
Achei um ônibus com o nome da rodoviária na frente, subi e
comecei com a adulação de só quem é ferrado na vida sabe fazer:
-Oii, com licençaaa, me disseram que é perigooooso lá na
frente, teem como eu ficar aqui só para passar esse trecho? Quero ir para a
rodoviária e tal... *Mais comentários acerca da minha situação*, o motorista
mal prestou atenção, só concordou com a cabeça e respondeu:
-Pegar uma carona.
E eu murmurei algo como: Pois é. Falei tão baixo que nem ele
escutou, só fiquei lá fingindo que não existia. Quando chegou o ponto, nem
tinha percebido, ele me avisou meio puto da vida, mas foi de graça então fiquei
feliz.
Desci, comprei meu bilhete... Fiquei deveras chateada quando
a mulher me explicou o porque da passagem de volta é mais barata: A tarifa do
Rio de Janeiro é uma das mais caras. Grandes merdas a cidade, só porque tem uma
montanha com estátua, um teleférico e praia, é mais cara.
Voltando, perguntei onde pegava o ônibus para Copacabana. Me
falaram que tinha que cruzar todo o pavilhão e a rodoviária, era do outro lado.
Assim o fiz, e fui procurando a droga do terminal de ônibus. Perguntei, não achava,
as pessoas me respondiam de má vontade, resolvi pouco me lixar também. Comecei
a seguir minha própria rota e me deparei com o VLT. ( Veículo Leve sobre
trilhos, mais conhecido como veículo Lesma e Tartaruga, veículo lento e
tortuoso, entre outros). Via seus trilhos, brancos, lisos, e pensei: Vou andar
por essas paradas.
Até que vi a estação, e que dava para entrar nela pelos
trilhos, pensei: - Não é possível que seja tão fácil assim... Fui entrando pelo
canto, como quem não quer nada, e pensei: - Não sei como funciona esse
transporte, se pedirem o bilhete lá dentro como nos trens europeus, estou
ferrada. NÃO PODE SER TAO FACIL! Fiquei na minha, lendo meu livro, em pé, longe
dos transeuntes que se localizavam a alguns metros de mim. E pensando: Tem duas
mulheres de amarelo me encarando o tempo todo. Mais tarde fui descobrir que
elas eram fiscais. Descobri por uma ação secretíssima envolvendo habilidades
mil: Estava escrito: ``FISCAL`` no casaco delas. E ficava olhando
discretamente, ( na medida do possível) para os guardas, na estação, pensando
em como aquilo estava sendo ridículo. Chegou o trem, entrei, na inocência, e
fiquei em um segmento do vagão que estava vazio.
Foi quando eu visualizei: Ao lado das cadeiras, praticamente
em todo canto havia máquinas dizendo: ``Não se esqueça de validar sua
passagem!`` e eu pensei: -Ferrou. Essa porra vai apitar e falar que eu não estou
pagando. Vi o policial bem mais a frente, e fiquei lendo meu livro, na maior
tranquilidade do mundo por fora, morrendo por dentro. Para sair, é necessário
apertar um botão. E já fui eu formulando problemas: Quando eu for sair, não vai
abrir pois não validei minha passagem inexistente, eles DEVEM SER um pouco
inteligentes, não é possível. Depois de muito ler meu livro, Laranja Mecânica,
por sinal, valeu Isabelle, finalmente cheguei à estação. Detalhe: Era a
penúltima estação, fiquei todas elas tensíssima, não passava nem uma agulha, se
é que me entendem. E então, chegou o momento. Levantei, encarei as fiscais de
amarelo ao longe, o policial, e fui embora. E nada aconteceu. Pude respirar
novamente. Peguei o metro de maneira convencional, cheguei a casa e...
SURPRESA! ONDE ESTÁ A CHAVE DO MEU PAI? E então toda essa história passa na
minha cabeça, rapidamente, e eu me mando para o inferno por ser distraída e
pobre. Perdi a chave do meu pai.
Moral da história: USE UM CHAVEIRO.
Moral da história dois: Pode burlar o VLT, se você apresentar
uma aparência aceitável.
Moral da história três: Reforce a moral da história um. Só
por precaução.