Até que chega a mim uma imensa sombra , me assusto. O que seria esse ser gigante? Será uma alucinação? Tenho medo, estou tremendo, suando, falo comigo mesma:
-Tem alguém aí?
Não recebo nada em troca ,só o ruído de ossos irem se desprendendo e rolando pelas pilhas e pilhas de fragmentos de tesouros. Ele chega até mim, seus dentes de esmeraldas, olhos dois buracos negros incandescentes que sopram fogo azul, está quente, é um caranguejo cravejado de pedras preciosas, e percebo que sou o único corpo mole do recinto, posso ser a comida do caranguejo.
Procuro desesperadamente pelas rédeas que estavam há tanto desaparecidas, me desespero porque o bicho está chegando perto, me encurralando contra um canto da parede, penso que talvez eu consiga me meter por baixo das pernas dele, tem um espacinho, mas no momento que ele se aproxima e eu tento investir e deslizar, os ossos bloqueiam meu movimento, eu empaco. Ele abaixa e naõ permite que eu deslize, e não vejo outra opção se não tentar escalar o bicho e ver se consigo me tirar dali.
O bicho tem três metros de comprimento, se remexe de forma desajeitada, emite um eco seco que pode ser seu rugido, o que for, com suas garras de um metro de comprimento abrindo e fechando, e vou subindo, com muita dificuldade. Como vou poder controlar o bicho, se nem as rédeas tenho?
Como vou escapar do bicho? Estou ansioso e quero logo poder estar em segurança, mas...
Escorregando, me abrigo na curva de uma perna para início do corpo, quando uma bola de fogo vindo de um fosso ao lado quase me derruba , fico preso por um indicador e o dedo médio, faço um esforço desgracento para me jogar para cima, um , dois, VAi! Subo novamente, tento lembrar o que estava fazendo aqui, qual era meu objetivo , tentar sair por cima, vou escalando a carapaça do caranguejo, ele se sacode , empina , me agarro com braços , pernas, mãos como ventosas, só a adrenalina pulsando firme no meu sangue, nem sei como estou raciocinando, tudo está escuro e estranho, como vim parar aqui? Ouço vozes ligeiramente, não sei se são da minha cabeça, em um momento pisco, quando abro os olhos, estou vendo estática, ruído, muita informação , deformação, uma onda de caos, tenho uma pequena vertigem, meu estômago se contorce, vomito ali mesmo, meu vomito se perdendo na frente do abismo em que o caranguejo vai se escorregando para. Olho para o abismo, ele olha para mim. O silêncio e o barulho dos ossos secos. Tento escalar mais , estou em uma curva muito acentuada, está fazendo muito calor. Começa a chover uma substancia amarela e gosmenta , procuro um canto do caranguejo que tem um rubi de um metro de envergadura, agarro ele com as maos e , cuidadosamente para eu não cair, arremesso o rubi de lá de cima mesmo, me abrigando na cavidade do caranguejo. Durmo.
Acordo.
Ok , hora de descobrir como vou me lançar daqui, como vou voltar para o ... normal? Existe normal? Normalizado por quem? Parei para ver os formatos estranhos que os fragmentos de névoa fazem se contorcendo como bailarinas no ar pesado, difícil enxergar algo além. Mas essas pequenas faixas de sedas vão se desenrolando, tão leves quanto os pássaros, tão raros aqui nos cantos de enxofre. Experimento minha voz, tento fazer uma música para elas. O caranguejo continua pulando , se contorcendo, e penso ok é o fim meu destino foi viver como um parasita.
Será que sou um parasita? Será que não posso tentar viver em equilíbrio, fazer um acordo com ele? Será que vou ter que morar no caranguejo? Quando vejo que há habitantes no topo de sua carapaça , com barraquinhas de camping, comendo os insetinhos que se alojam na casca do mesmo, e penso: ok, vamos lá falar com os amigos.
O bicho está se contorcendo , pulando , e eles lá, sentados, tem um tocando violão .
-Foi difícil a escalada, cara?
-Foi... perdi as rédeas.
-Todos nós perdemos.
-É bom- comenta uma colega- Ás vezes. Sentado no caranguejo, vemos o tempo passar de forma não linear, e os tesouros e ossos vão se fragmentando e viram todos os fragmentos de uma infinita ampulheta, um big ben que se explode e transborda universos novos a cada segundo. Um meteoro ameaça atingir o caranguejo e mandar todos seus hospedeiros para o espaço , mas conseguimos nos segurar nele, dá tudo certo, e escutamos vozes de fora:
-Eles não vão conseguir-
-O caranguejo os vai comer na primeira hora em que eles dormirem-
Captamos as ondas sonoras de todas as transmissões que se direcionam ao caranguejo,
convertemos em gasolina.
Homens sendo domados por seus parasitas, sendo parasitas, sendo hospedeiros, preferindo habitar entre os ossos, desistindo de sonhos, desistindo de expectativas, só indo com a maré, pelo menos meu caranguejo está...
Ele começa a se balançar, com raiva. Ele percebe que estou tentando o por em uma categoria luxuriosa. Se sacode todo e todas as pedras preciosas caem, e o caranguejo diminui de tamanho, até que nós carregamos o caranguejo, ele recluso, preso em sua própria casca, dizemos a ele: -Pode sair, está tudo bem.
-Andamos com ele pelos cantos do planeta, aprendemos sobre a vida, o ar , o fogo , a terra. Por vezes somos abrigo deles, por vezes ele nos dá abrigo, o ego nos escondendo, a persona salvaguardando a pessoa e a carne de seres que só precisam respirar. Somos nossas próprias cascas, pequenos, imperceptíveis, mas diante do abismo, crescemos e chegamos a vinte metros, com pinças, com fogo nos olhos, pois as criaturas da noite são sombrias e frias . Chega um dia, eu, já com olhos azulados e barba, me despeço dos colegas de Caranguejo e, com minha própria casca, me afasto,
-quem fez essa casca?
-Eu que pintei.
-Tem ouro?
-Tem valor.
-Em quanto tempo ?
-2 Bilhões de eternidades.
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