sexta-feira, 3 de abril de 2020

nazizord

É 2021, a peste passou e o Brasil segue necropolítico, com o governo autoritário de extermínio. A guerrilha prossegue firme, dura, as carrancas dos idosos conservadores que pegam em suas metralhadoras na hora dourada do dia. Os conserva-nazis montam um megazord com braços de canhão, um terço-depósito de granadas no centro. O robô é tão imenso que comporta mais de mil pessoas em seu interior, operando as mais diversas sub metralhadoras. 
-Será que a oposição vai construir um Megazord tão incrível quanto o nosso, irmãos?
Pergunta Alceu Oliveira, primeiro soldado do exército de São Carrasco do Sul. 
-Não, Alceu. Eles não têm dinheiro.
Os olhos de todos os soldados brilham quando a palavra que invoca a substância sagrada é dita.
Em uma investida, no Campo de Santana do Rio de Janeiro, o megazord nazi-religioso encurralou a resistência.
Acuada, procuraram abrigo  junto dos gatos de rua, se infiltraram em buracos, mas, sem poderio bélico forte, não poderiam atirar de volta. Ficaram a espreita, observando, esperando o Nazizord ir embora. 
-Eu sei que vocês estão aí , encurralados... Diz o alto falante de dez mil megawatts. É tudo uma questão de tempo...
O céu ficou verde e começou a cair dinheiro do céu. O Nazizord se afastou um pouco da caverna principal. 
-NOSSA, TÁ CAINDO DINHEIRO DO CÉU!
Disse um colega da resistência. 
-Não- barrou sua companheira- só não. 
Independentemente se for de verdade ou holograma, você não é burro pra cair nessa armadilha, por favor.
O Nazizord começou a ficar sem energia para se permanecer em pé, e se sentou. Enquanto isso, a resistência procurava meios de cavar buracos que levam aos túneis e esgotos do Rio de Janeiro. 
No quarto dia, a resistência estava a duras penas, sem muitos alimentos, alguns cederam e comeram carne dos ratos que habitavam lá, outros estavam há dois dias sem comer, precisavam logo retornar a base, no complexo da maré, o mais rápido possível. Seria um longo percurso.
O Nazizord, no quarto dia, estava meio caótico. Fizeram rondas no campo de santana, diurnas e noturnas, e não acharam ninguém. Os soldados pediam veementemente para sair, mas os oficiais superiores diziam: 
-Se eles não estão aparecendo, é porque se esconderam BEM DEMAIS. Vamos continuar aqui até que as condições sejam NORMALIZADAS. 
Normalizadas, querendo dizer, as mulheres voltar a serem servas, negros voltarem a ser escravos, e LGBTQ+ voltarem a não ser uma afronta a identidade e segurança mental deles, ou seja, serem extintos. 
Um certo dia, finalmente os soldados decidiram entrar na caverna principal para caçar a resistência. Com lanternas, foram entrando no ambiente de total escuridão. Os gatos foram se aproximando dos homens, e todos se arrepiaram de uma vez. 
Um gato começa a miar de forma estranha, parecendo uma vitrola quebrada. Os homens se assustam ligeiramente.
Um deles diz:
-Olha! tem...
Ele dirige a lanterna para a parede:
-Sangue...
-Nas paredes?! ah, fichinha, o que não é um sanguinho. 
Os homens riem nervosamente.
Eles passam por um corredor estreito, pequeno e mal cheiroso,  em que é impossível passar mais de uma pessoa por vez, e, quando menos percebem, roçam nas paredes, úmidas. 
Quando o segundo homem a andar pela passagem ilumina o primeiro, o da frente, vê que suas roupas e cabelos estão manchados de sangue. Ele fala, intrigado:
-Bom, o sangue estando fresco, estamos perto. Quem sabe esses delinquentes não se desentenderam e mataram um deles, só podia ser coisa de satanista mesmo, deus me livre..
Quando todos eles chegam a câmara em que o corredorzinho desembocava, um aviso, escrito a dedo, em sangue, dizia:
-ISSO É SANGUE DE MENSTRUAÇÃO. 
Os homens surtam, literalmente, alguns ficam nus, outros pedem para seus companheiros urinarem neles, para que se libertem desse líquido pecaminoso ungido por satanás. Um está tão desesperado que arranha seu rosto, dizendo que o capeta se apossou de seu corpo. 
-ELE ME PEGOU, ELE ME PEGOU E NÃO SEI O QUE FAÇO, AMIGOS!!
e começa a convulsionar no chão, espumando, os olhos se reviram e ele começa a espumar e babar.
Os amigos dele saem correndo e deixam o corpo lá, se debatendo. 
Poucos momentos depois, duas mulheres surgem a partir de uma entrada para o esgoto no corredor posterior a câmara em que o aviso estava escrito. Elas saqueiam tudo que o homem carrega, dinheiro, óculos, colete a prova de balas, metralhadora, uniforme do exército, balas, jujubas, metade de uma peruca, um gel lubrificante, meias de combate na selva, kit de primeiros-socorros. E partem para a escuridão, seus olhos brilhando como felinas, astutas, rápidas, perspicazes, se encontrar com o grupo de mais de 50 mulheres que ficaram em guarda , bloqueando a passagem para dificultar o acesso a base. Essas, sangrantes, escutando a movimentação, de prontidão foram até a câmara no meio do caminho, e mancharam tudo ás pressas, sob o ruído das botas andando em uma progressão, do rápido ao ligeiro precavido. Depois disso, descalças, muitas com machucados recém cicatrizados nas solas dos pés, saíram correndo, silenciosamente, a respiração rápida e precavida.
A armadilha deu certo, a convulsão do homem ajudou mais ainda. Se ele está vivo ou só está dormindo ali, jogado no chão frio e pútrido, diante da mensagem sangrenta? Ninguém sabe, e as mulheres se prontificam de caminhar bem mais a frente, para não precisarem saber.




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