segunda-feira, 27 de abril de 2020

escrevendo com um mamão só

-hoje fiz efeitinhos em vídeo
-me sinto bem aprendendo
-fumei maconha
-agora pra dormir meu nariz ta fechando e to arrependida de ter fumado
-me sinto trouxa trampando de graça
-mas pelo menos só tenho 20 anos
-é uma idade né
sinto um pouco de medo de envelhecer, na real
tudo parece tao cinza
tudo parece se resumir a sexo, drogas
e eu não sei onde está escondida a diversão
tenho raiva dos meus pais
preciso trabalhar isso
porque eles fizeram o melhor deles
se eles pudessem, me ajudariam
mas não é culpa de ninguém
não adianta eu ficar pensando
desgraçados era melhor não terem me concebido
porque eu já to aqui
 tenho fome e vou tomar café
antes de dormir
hoje aprendi a me masturbar com minha mao direita
acho que ela é mais sincera que a esquerda
merda estou sem a chave
detesto perder chave

domingo, 26 de abril de 2020

sonho de hj

Sonhei que eu estava em um bar,
e lá estavam sentados a uilla, o jp ,o hugo ,thalles, mathaus,
eu vou sentar em uma mesa com a minha mae,
brigo com a minha mae por algum motivo
e nós já tinhamos pedido comida
falo pra ela que entao cancele a comida
levanto da mesa e percebo que a mesa ao lado tem vários amigos
e eu digo
po por que ninguém falou comigo?
e eles responderam: ué , voce nao falou com a gente
e eu disse: eu nao enxergo dois palmos de vista além
ainda estou sem óculos
depois, levanto da mesa , tanto dos amigos,
vou uns passos adiante
e tá o gustavo na fila de um subway
e penso
realmente, pode ser um subway
e já estava pensando no que
eu trocaria a carne por
um hambúrguer de vegetais , sei lá
e vem a minha mae atrás de mim
e depois
eu vou pra brasília
e sou assistente do bolsonaro
ele chega em uma livraria pra trocar um livro
e o óculos da bibliotecária cai da cara dela
e ela fica horas tentando pegar
e eu literalmente sou assistente dele
e ele briga comigo  e fala
da próxima vez , traz um celular e um notebook
porque eu escrevi tudo a mao
e digo a ele que meu celular quebrou
mas ele já tinha ido embora
deixo meus sapatos na biblioteca
assim como minha sacola-mochila
e fico lá em brasília, pairando
e em algum momento,
estou andando em uma multidao
e um cara chega e levanta todo meu vestido
até os meus ombros
ele é alto e meio ameacador
e eu digo, depois de baixar meu vestido bem rápido
é, até que minha bunda nao é tao feia assim
e depois que ele tenta de novo
eu caio no jiu jitsu com ele
e , claro, ele sabe lutar
ele é safo como um anfíbio
sua pele é oleosa e fria
mas eu consigo dar um mata leao nele
e ele confirma que eu também sei lutar
e eles me deixam em paz
mas por algum motivo, eu estava sem chinelos
e tinha emprestado meu celular para uma chilena
que disse
voce vai sumir e eu nao vou poder te entregar
estava em brasília, andando sem coisas, sem celular
sem chinelos, sem mochila
fui nos achados e perdidos da biblioteca e nada
e depois
estava no rio, de novo
num shopping
botei trancas no cabelo
elas eram tipo vermelho cobre
e iam até o ombro
estava em um programa de auditório dentro do shopping
e as pessoas que precisavam se apresentar voltaram pra dentro do camarim
por algum motivo
e eu saí, fui andar pelo shopping
estava conversando com a tassiane,
ela disse
miga, vc sabe que nao tá legal isso né
e eu tentei desviar o assunto
ficava mexendo minhas trancas pra lá e pra cá
achamos a Lu Eller, falei alguma bobagem com ela
achamos o estevao ,e já era noite
e tinha sorvete
de creme, morango e flocos
e quem estava me dando era minha avó
e ela disse
vou pegar essa parte
que tem bastaaante chocolate
e eu disse
VOVÓ EU ODEIO SORVETE DE CHOCOLATEEE
aí conversei com o estevao
e ele falou
é, mariana , isso é apropriação cultural

quarta-feira, 22 de abril de 2020

“todos os corpos são apenas aparências , imagens da imaginação, estados de espírito criado a partir de sua própria vontade”

Rudolf Schwarzkloger

 O corpo nao como natural, mas sim como algo cultural, sendo a cultura o elemento determinante das funções, ciclos, ritmos e da própria forma do corpo através dos processos cirúrgicos, alquímicos, elétricos e clínicos e que resulta em um estado de aparência, um estado imaginário

terça-feira, 21 de abril de 2020

trocaram algumas amigas minhas por bonecas

me inunda

de café
e lambe meu rosto
me joga, durante o sono
na água doce
fria como uma lagoa de águas negras
no auge do congelar sinto o calor do lar
que amacia meu pranto
me distancia desse canto
transforma-o em encantado
adiante, distante
imundo mundo que cresce
 adoece
consumir, comer, devorar, matar
sumir, viver, mergulhar, escutar
um milhão de guitarras feitas de ar
enquanto cigarras tentam acompanhar
ar impregnado de cigarros
impede de respirar
me inunda numa tigela de cereal
de milho transgênico
limpa a minha cara com papel higiênico
me higieniza, mate noventa e nove porcento das bactérias
injete alucinógeno nas artérias
assim elas ficam menos sérias 
enfio os pés nos ouvidos
esses já poluídos
de açúcar,
se abre a boca ganha trezentos quilos
casacos de cobra, sapatos de esquilos
 enfia teus dejetos abjetos
escarro indigesto
pela própria garganta
e espanta
e tinha clemencia, tanta
leite coagulado confinado azeda
o estado monumento
se auto depreda
sou pó, sou pedra
estático do tipo a gravidade me tem prisioneiro
queria não estar tao perto do chão, o tempo inteiro
e ter que lidar com meus diabos,
queria flutuar para além dessa atmosfera
me enfiar dentro de uma cratera
diante de tamanho compromisso
procuro me comprimir
em arquivo rar
chorar até me despedaçar e virar uma borboleta
a própria metamorfose,
estou mais pra um besouro com esquistossomose
arquivo rir
Sei gozar, chorar e cuspir
esqueci como falar
diante do olhar desinteressado,
sou mudo
diante do olhar injetado,
sou mundo
Comprida, reduzida
pelas expectativas do tamanho de pamonhas
continuo na montanha partida
sagrada sangrenta segregante
russa, racional
em direção ao nada colossal
por que o que seria o colosso
se não uma miragem do ponto de vista humano
tao surrealmente insano
mal consegue ser amado pelos seus
almeja os céus
e quem sabe, um dia, ser deus
antes padece esculpido em gesso
em segundo esquece
que o universo é só onda
e que tua mensagem profunda
afunda tipo meme
tecendo tecidos de pele e sangue quente
the walking humanos, 2020
pensamento induzido
por quem enfia cimento no cranio despido
de escudo
coito interrompido, horário indevido
coração partido, é só isso que falam as músicas
mídia meio acumulador de lixo
pela tua cara, lacraia, baratas, tudo que é bicho
o degenerar em espírito,
carne humana gasosa,
orelha despedaçada, gostosa
cachoeiras de pus no inferno,
 o inferno somos nós, né Sartre
o inferno é um forno da fortuna
em que o dinheiro enforca todos nós
escravos do papel
cavando na lama até achar o céu
bebo acetona pensando que é mel
tiraram meu cateter de prazer
alguém pode me ensinar novamente
a ser?
processo violado,
me traga a minha viola,
trago um cigarro, só pra jogar dentro da viola e ver se pega fogo
Perdi um bom bocado de comida
mas ganhei a última partida do jogo
ano interrompido e ainda quero meu rosto
embebido em café
tenha fé,
amém
fecha os olhos que o sono vem
mas não posso me responsabilizar pelos sonhos


quinta-feira, 16 de abril de 2020

comércio

vendo dois olhos por duas vendas
ponho minhas unhas em encomendas
e troco por uns dentes
mas dizem que esses só podem ser trocados
por globos oculares
então troco um olho por um nariz
já estou vendo demais
vendendo vedada , já perdi de vista
tinha um chafariz
com um milhão de moedas lá
foi tao rápido pegar as moedas
que nem sentiu que a água
era nutella
troco luminária
por uma vela,
ou melhor, um pacote de velas,
fechem suas janelas,
lá fora tem uma nuvem de mosquito
e um, apenas um mito
que tritura ossos e troco ilusão por conhecimento
 troco três quilos de carne por cimento
troco pensamento
por paz
troco posição em hierarquia
por calmaria
troco franzir de cenho
por risada
troco roupa
por teclado e mouse de computador
troco agonia
por dor física, dói menos
troco dúvidas por chuvas
troco pores do sol
troco leitura por diálogo
troco saliva por suor
troco interesse por curiosidade
troco rancor por perdão
troco copo d`água por imensidão
troco cara de mau por mansidão
troco caminhão por bicicleta
troco Big Brother por Animal planet ao extremo
troco Anitta por Edgar
troco mar por copo d`água
troco perturbado pelo ameno
troco o que já foi pelo que está acontecendo
troco baratas por lagartixas
troco luccas neto e xuxa por satanás
troco botas por chinelos
troco cinco mechas de cabelo por dois dentes amarelos
troco um cérebro por um coração
troco uma vértebra por uma canção
troco essas malditas calças femininas apertadas
por um calção
troco a sobriedade do dia a dia
por uma alucinação
troco o que entedia pelo que arrepia
troco a noite pelo dia
troco moderno pelo contemporâneo
me jogo no mar mediterrâneo
no meio das terras, minha boca emperra
meu olho cerra
e fico lá
esperando o nada deixar de ser nada


segunda-feira, 13 de abril de 2020

Com medo de mim

E se não conseguir
Me livrar dessa carrasca
que me chicoteia todo dia
E se não conseguir me livrar
dessa carranca
e estar tao presa a melancolia
não, não
quero viver a água das cachoeiras
comer dos frutos das amoreiras
mas tudo isso parecem parcas imagens
memórias finas como o fio de prata
murcho como maçã podre
e o odor que exala do meu corpo é ácido
assim como meu humor
e ponho em cima de meu caráter culpa
Peço desculpa, Mariana
Desculpa, eu sou chata,
sou estúpidamente melancólica
Diante da janela aberta,
quero me jogar para voltar a sentir
adrenalina
não posso contar com ninguém
e meus melhores amigos são os cachorros
sem energia pra tentar qualquer outra coisa
sou uma coisa, não mais sujeito
passiva, deitada na cama,
não consigo nem sair daqui e faço xixi num pote
hahahah ria comigo
Não é isso que faz um
amigo
acho que talvez eu nunca tenha sabido ser amiga
só... uma poça de carne e osso
esperando me decompor
quão luxuosa é a morte
Não precisar viver as agonias
não precisar tomar soluções
não ser culpabilizada,
demonizada,
julgada,
quão lindo é sair desse espectro tóxico
em que todos esperam algo do teu corpo-mente-produto
não quero saber do processo, ou do pensamento
só consumir, e sumir,
e me jogar da janela
consumir,, e sumir

sexta-feira, 3 de abril de 2020

nazizord

É 2021, a peste passou e o Brasil segue necropolítico, com o governo autoritário de extermínio. A guerrilha prossegue firme, dura, as carrancas dos idosos conservadores que pegam em suas metralhadoras na hora dourada do dia. Os conserva-nazis montam um megazord com braços de canhão, um terço-depósito de granadas no centro. O robô é tão imenso que comporta mais de mil pessoas em seu interior, operando as mais diversas sub metralhadoras. 
-Será que a oposição vai construir um Megazord tão incrível quanto o nosso, irmãos?
Pergunta Alceu Oliveira, primeiro soldado do exército de São Carrasco do Sul. 
-Não, Alceu. Eles não têm dinheiro.
Os olhos de todos os soldados brilham quando a palavra que invoca a substância sagrada é dita.
Em uma investida, no Campo de Santana do Rio de Janeiro, o megazord nazi-religioso encurralou a resistência.
Acuada, procuraram abrigo  junto dos gatos de rua, se infiltraram em buracos, mas, sem poderio bélico forte, não poderiam atirar de volta. Ficaram a espreita, observando, esperando o Nazizord ir embora. 
-Eu sei que vocês estão aí , encurralados... Diz o alto falante de dez mil megawatts. É tudo uma questão de tempo...
O céu ficou verde e começou a cair dinheiro do céu. O Nazizord se afastou um pouco da caverna principal. 
-NOSSA, TÁ CAINDO DINHEIRO DO CÉU!
Disse um colega da resistência. 
-Não- barrou sua companheira- só não. 
Independentemente se for de verdade ou holograma, você não é burro pra cair nessa armadilha, por favor.
O Nazizord começou a ficar sem energia para se permanecer em pé, e se sentou. Enquanto isso, a resistência procurava meios de cavar buracos que levam aos túneis e esgotos do Rio de Janeiro. 
No quarto dia, a resistência estava a duras penas, sem muitos alimentos, alguns cederam e comeram carne dos ratos que habitavam lá, outros estavam há dois dias sem comer, precisavam logo retornar a base, no complexo da maré, o mais rápido possível. Seria um longo percurso.
O Nazizord, no quarto dia, estava meio caótico. Fizeram rondas no campo de santana, diurnas e noturnas, e não acharam ninguém. Os soldados pediam veementemente para sair, mas os oficiais superiores diziam: 
-Se eles não estão aparecendo, é porque se esconderam BEM DEMAIS. Vamos continuar aqui até que as condições sejam NORMALIZADAS. 
Normalizadas, querendo dizer, as mulheres voltar a serem servas, negros voltarem a ser escravos, e LGBTQ+ voltarem a não ser uma afronta a identidade e segurança mental deles, ou seja, serem extintos. 
Um certo dia, finalmente os soldados decidiram entrar na caverna principal para caçar a resistência. Com lanternas, foram entrando no ambiente de total escuridão. Os gatos foram se aproximando dos homens, e todos se arrepiaram de uma vez. 
Um gato começa a miar de forma estranha, parecendo uma vitrola quebrada. Os homens se assustam ligeiramente.
Um deles diz:
-Olha! tem...
Ele dirige a lanterna para a parede:
-Sangue...
-Nas paredes?! ah, fichinha, o que não é um sanguinho. 
Os homens riem nervosamente.
Eles passam por um corredor estreito, pequeno e mal cheiroso,  em que é impossível passar mais de uma pessoa por vez, e, quando menos percebem, roçam nas paredes, úmidas. 
Quando o segundo homem a andar pela passagem ilumina o primeiro, o da frente, vê que suas roupas e cabelos estão manchados de sangue. Ele fala, intrigado:
-Bom, o sangue estando fresco, estamos perto. Quem sabe esses delinquentes não se desentenderam e mataram um deles, só podia ser coisa de satanista mesmo, deus me livre..
Quando todos eles chegam a câmara em que o corredorzinho desembocava, um aviso, escrito a dedo, em sangue, dizia:
-ISSO É SANGUE DE MENSTRUAÇÃO. 
Os homens surtam, literalmente, alguns ficam nus, outros pedem para seus companheiros urinarem neles, para que se libertem desse líquido pecaminoso ungido por satanás. Um está tão desesperado que arranha seu rosto, dizendo que o capeta se apossou de seu corpo. 
-ELE ME PEGOU, ELE ME PEGOU E NÃO SEI O QUE FAÇO, AMIGOS!!
e começa a convulsionar no chão, espumando, os olhos se reviram e ele começa a espumar e babar.
Os amigos dele saem correndo e deixam o corpo lá, se debatendo. 
Poucos momentos depois, duas mulheres surgem a partir de uma entrada para o esgoto no corredor posterior a câmara em que o aviso estava escrito. Elas saqueiam tudo que o homem carrega, dinheiro, óculos, colete a prova de balas, metralhadora, uniforme do exército, balas, jujubas, metade de uma peruca, um gel lubrificante, meias de combate na selva, kit de primeiros-socorros. E partem para a escuridão, seus olhos brilhando como felinas, astutas, rápidas, perspicazes, se encontrar com o grupo de mais de 50 mulheres que ficaram em guarda , bloqueando a passagem para dificultar o acesso a base. Essas, sangrantes, escutando a movimentação, de prontidão foram até a câmara no meio do caminho, e mancharam tudo ás pressas, sob o ruído das botas andando em uma progressão, do rápido ao ligeiro precavido. Depois disso, descalças, muitas com machucados recém cicatrizados nas solas dos pés, saíram correndo, silenciosamente, a respiração rápida e precavida.
A armadilha deu certo, a convulsão do homem ajudou mais ainda. Se ele está vivo ou só está dormindo ali, jogado no chão frio e pútrido, diante da mensagem sangrenta? Ninguém sabe, e as mulheres se prontificam de caminhar bem mais a frente, para não precisarem saber.




2021

Em 2021, finalmente os direitistas fazem campos de concentração eficientes no mundo todo para negros, LGBTs, artistas desconfortáveis, mulheres feministas e pessoas não-cristãs/evangélicas, queimando, assim, 65 porcento da população brasileira. Todas as universidades globais sofrem colapso econômico e são bombardeadas por entidades anônimas. A Amazônia agora se chama Iam-Sonica, uma empresa de produção de tampas smart de caneta bic . As mulheres não feministas precisam se relacionar com os homens brancos heterossexuais para colonizar novamente o mundo. Os homens ficam cada vez mais agressivos porque grande parte das mulheres brancas heterossexuais não está a fim de compactuar com a ideia de procriação de emergência. Os homens ricos, desesperados, procuram laboratórios para fazer inseminação in vitro, mas estão sem técnicos terceirizados para realizar o ofício, foram todos demitidos pouco antes do colapso total. Os homens brasileiros, então, começam orar para seu Deus, cristão e punitivo, e ele diz que a resposta pra tudo é:
Mais sangue. Os homens começam a botar nos mesmos campos de concentração as mulheres que não são submissas ao sistema de procriação ás pressas, causando uma comoção muito grande nas outras mulheres que estavam de boas em ter quatro filhos em quatro anos. Logo, essas que, de acordo com os homens brancos br-nazis, estavam histéricas, e acabaram tendo que ir para o campo de concentração também.
No fim, sobraram poucas mulheres, e os homens começaram a lutar pela morte por elas. Oceanos de sangue lavavam as ruas de Jacarepaguá. Uma vez, os homens estavam com tanta vontade, e tão ávidos por conseguirem enfim,  deflorar e estar com uma mulher, ou, quer dizer, um vaso de deus divino, amém, que a mulher estava próxima dali e todos arrancaram uma parte dela pra ninguém ficar sem um pedacinho. "-Comunistas!" Gritaram homens brancos limpos para os homens bracos cheios de sangue da mulher, sentados em rodinha, apreciando seus pedaços de mulher. 
Os homens brancos limpos partiram pra cima dos sujos, e todos sacaram suas armas e se mataram lá mesmo, sobrando um, com um olho estourado, um braço e uma perna baleados, um dedo perdido e três costelas fraturadas, que pegou, com vigor, um pedaço do vestido ensanguentado da mulher, e sacolejou o mesmo como uma bandeira, dizendo:
-Ganhei!
Por fim, os homens tiveram um grande surto de ódio e começaram a caçar as mulheres, e elas foram todas parar no Mad Max.
Não , elas só morreram mesmo. 
Mas aí os homens não sabiam mais o que era arte, nem mulheres, nem universidades, e foram morrendo aos poucos, a indústria armamentista nunca lucrou tanto, novas bombas, novas explosões, mais gente morrendo mais rápido, otimização. 
O último humano existente, uma sábia do tibete, que sempre se isolou de tudo, na montanha mais alta do canto mais inóspito do planeta, fechou os olhos quando a penúltima pessoa do mundo pereceu, seu longínquo amigo de toda uma existência. Ela embalou seu corpo em folhas de bananeira, ungiu com os cheiros da floresta seu corpo, e o entregou ao destino, em uma canoa, o rio descendo a montanha. Sua alma de novecentos e cinquenta anos sentia o fim do império humano, ela sentia o fim de uma era, de alguma forma sabia que era a última Homo sapiens sapiens viva. Chegou o respirar, o fim dos bombardeios, o fim da violência doentia humana, o fim da crueldade, da objetificação, do ódio. Ela respira uma última vez, e, em um suspiro, a vida abandona sua casca. 
Em algum lugar de algum escritório dentro do palácio da alvorada, agora repleto de trepadeiras, rios, bichos do cerrado, há a impressão de um print de celular do ano de 2018. O papel está sujo, manchado e rasgado, e só é possível enxergar uma mensagem;
-GANHAMOS!
Um pássaro chega perto do papel, o avalia, inclina a cabeça para a direita, para a esquerda, para a direita novamente, para a esquerda novamente, pega o papel e leva para por em seu ninho.

Boa, Bataille

A vida em si
Só existe em espasmos
E no confronto com a morte;

A vida é falha apenas quando a morte a toma como refém.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

QUERIA LER

Todos os filósofos
Todos os sociólogos
Todos os antropólogos
Todos os historiadores
Todos os professores
Todos os psicólogos
Todos os psicanalistas
Todos os artistas
Todos os romancistas
Todos os poetas
Todos os teóricos
Mas sou um ser cuja carne é o limite
e não as estrelas
e meus olhos doem e meus bracos também
Porque quero dissertar sobre a dúvida como os filósofos
Pensar a sociedade como um organismo vivo como os sociólogos
E ao mesmo tempo o indivíduo e os vícios e vínculos na sua concepção de realidade como os antropólogos
Pensar o passado como o futuro se não abrirmos nossos olhos, como os historiadores
Transmitir isso a quem não tem acesso a essa informação de forma pedagógica como os professores
Discernir questões intrínsecas da psique humana, sua formação através de traumas e projeções como os psicanalistas
Cuspir como os artistas
Escrever sobre a experiência de cuspir como os/nos/com os artistas como os romancistas
Me apaixonar por um pedaço de papel como os poetas
Comparecer a conversas sobre ontologia, metafísica, e palavras difíceis como os teóricos
Mas sou um ser cujo cérebro nunca dorme
e imploro a inquieta derme
que pare de procurar sempre o cerne
e se conforme
que vou ler
Alguns filósofos
Alguns sociólogos
Alguns antropólogos
Alguns historiadores
Alguns professores
 Alguns psicólogos
Alguns psicanalistas
Alguns artistas
Alguns romancistas
Alguns poetas
Alguns teóricos
Mas agora não,
Agora vou dormir



como estou

como meus braços
e escrevo com os pés
pensamento arrítmico 
descansado
sobre mil folhas paira
e aspira
ao céu
mesmo estando deitado na sombra
das árvores amazônicas
essas tão gigantes
e sou formiga
diante da queda de obras arquitetônicas
gigantes viram comida
e nós comemos nozes
empapadas da fadiga
com que consumimos palavras
e imagens e miragens
e letras e versos
 com estômagos reversos
nos convencemos
de que não estamos dispersos
e gostamos do que estamos comendo
ou do que estamos vendo
nos perguntamos como
estamos vivendo?
O que é
É que o ser humano é criatura vil
caótica, individualista e viril
que até o mais doce amigo
te impõe cálido castigo
como bafo pútrido de dragão
pega firme na tua mão e corta
ao mesmo tempo bombeia vida
direto na tua aorta
procura o que quer que for
enterrado no canto da horta
uma batata, um corpo
no horto do âmago do que restou
de amabilidade coletiva
cativa,
com os olhos,
mil fantasmas performance
que almejam tua alma fetichizada
mas a carne, o corpo que cai
é um número, não, não vai
não deixe-se virar estatística
tu respiras?
eu me viro
tendo a necropolítica,
conspiro
como o respirar de um milhão
de dúvidas
Para com afetividades, dívidas
procuro ávida
respostas livres do pó
que encobrem homens-gesso
e os desnaturam sem dó.
Há identidade enquanto ainda sangrar
Por mais que seja dolorido,
Qual entalhe de faca,
Fraca casca, destroça-se, irrompe
O jorro cede á gravidade
se joga, dançante, do abismo,
quente, robusto, colorido
Arquivo corrompido.
(Por quem? Pelo quê? Por quê?)