Sentem que lá vem uma história mirabolante enquanto eu furtava aipim com carne da cozinha, ás uma e trinta da manha.
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QUERO TE COMER, ele enviou a mensagem.
Agora era só questão de esperar.
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Helena está sentada na cadeira da sala de jantar, meio cabisbaixa, quase cochilando. Trabalhar em horário diferente do usual estava matando-na. O jornal está impecável entre suas mãos, mas ela mal o toca.
-O mãeeeeeeee!
Grita Luís, com voz chorosa. O grito a desperta do transe, do sono que agora seria muito mais difícil de se alcançar. Ele vem andando, com um robozinho em uma das mãos, de pijamas e meias, e provavelmente iria pedir algo relacionado a um brinquedo quebrado, uma briga com o irmão mais velho...
-Que foi, meu filho...
Ela abaixa os óculos, cansada, passou o dia inteiro no trabalho, seu marido também, e agora estavam estressados em seus devidos cantos. Que relacionamento saudável, pensou ela. Ela não aguentava mais estresse em casa e no trabalho, sem descanso, sem sossego.
-Mãe, o Tiago está comendo a empregada de novo!
Diz Luís, desamparado. Ele senta no chão e começa a chorar.
Helena suspira. Cada vez mais difícil conter esses adolescentes.
Ela se levanta, empurra a cadeira para trás, prende os cabelos negros em um coque, se abaixa para consolar o filho.
-Calma, querido... O seu irmão um dia vai se endireitar... O que exatamente você viu?
Luís agora está cabisbaixo, lágrimas quentes descendo pelas suas bochechas fofas de garoto de seis anos.
-A mesma coisa...- Diz, entre soluços- aquelas coisas esquisitas... Eu vi tudo... Ele abracava seu robozinho, inconsolável.
-Calma, querido, passou. A mãe o embalou em um abraço, e disse, cuidadosa:
-Filho, todo mundo tem isso... Eu tenho, o seu pai tem, o seu irmão tem. Só que não fica a mostra. Até você tem.
O garoto estava muito abalado. Chorava, gania quase. Com a cabeça encostada em seu busto, apertava os bracos da mãe a ponto de doer.
-Filho, você está muito novo, um dia vai entender... Ela suspirava, conforme afagava a cabeça do garoto. Olha, meu amor, vamos jantar...
-Eu não quero comer- dizia ele, se levantando, fungando, tentando aparar a coriza que descia de seu nariz
O filho se afasta, deixando o robô de plástico no chão, solitário.
A mãe suspira."Lá vamos nós de novo", ela pensa.
E sobe os degraus, um por um, e começa a escutar os barulhos.
Ela caminha até a porta do quarto do filho, e a abre com um solavanco.
Está Tiago, com suas costas curvadas, ligeiramente deitado, apalpando o corpo da mulher com as mãos, com a cabeça enfiada entre suas pernas.
-TIAGO!
A mãe grita de forma exasperada. Mesmo cansada, precisa permanecer firme.
-QUANTAS VEZES EU PRECISO TE DIZER, QUE AQUI NÃO É LUGAR PRA ISSO?
Tiago levanta o rosto, e a encara de maneira indiferente.
-Foi aquele peste que se intrometeu. Eu falo para ele não vir ao meu quarto.
Filho, é mais do que isso, eu sei que você gosta de se divertir por entre as refeições, mas desse jeito está insustentável! Quem vai fazer o serviço da casa, se você mexe com TODAS as nossas empregadas??
Ela diz, botando as mãos na cintura.
-Tudo bem, mãe.
"ADOLESCENTES", pensa ela. "Só dizendo o que sabem que queremos ouvir, para fazer a mesma coisa, de novo, e de novo. Eu só queria que ele me obedecesse uma vez e não fosse mal exemplo para o irmão, coitadinho...".
Ela conta até dez.
-Tudo bem, Tiago. Vamos ter que botar você e seu irmão para a limpeza, se você não entrar nos trilhos. Falando nisso, quando acabar, trata de lavar todo esse sangue do chão, catar as tripas, jogar fora os cabelos, unhas e os ossos, comer os miúdos, não quero desperdício agora que você já deu cabo da mulher.
-Desculpa, mãe. Po, estou tentando parar de comer pessoas inocentes, mas está difícil, com uma visitando nossa casa todo dia. Deixa só eu acabar de comer minha parte favorita, já arrumo tudo. Diz ele, com a cara ensopada de sangue, nariz, bochechas, lábios pingando. O cadáver da mulher estava semi-dilacerado, com o rosto faltando metade da pele, lábios faltando, sem seus globos oculares, sem a cartilagem do nariz, as partes mais macias. Faixas de gordura como no abdômen, nas coxas, haviam sido rasgadas e sugadas, Tiago nunca foi muito saudável.
Ele afunda o rosto entre as coxas degradadas da mulher e continua a se empanturrar.
A mãe sai do recinto, decepcionada, frustrada. Vira as costas, olha para o teto, suspira mais uma vez e fecha a porta. "Espero que o Luís não seja assim, que saiba se controlar mais", pensa ela.
Helena chega na cozinha,pega um cálice qualquer, abre seu cantil de vodca e lá derrama a bebida, misturando-a com o sangue do seu último amante. Pessoas cometem erros. E os passam de geração em geração.
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