A jornalista chega em casa, cansada.
Mesmo no corredor, ela tira abruptamente seus saltos altos, finíssimos e caros. E os deixa de lado, no tapete.
Abre a porta do apartamento em solavanco, meio cambaleante, depois de beber muitos copos de vinho em um bar local.
Lembra dos sapatos que deixou para trás, os chuta para dentro.
Ela caminha pela sala bagunçada, algumas garrafas por aí, grandes, pequenas, claras e escuras, guimbas de cigarro, cartelas de remédios, roupas jogadas em cima das poltronas. Mas tudo se ajeitaria assim que a arrumadeira chegasse, ela botaria tudo no lugar...
Ela vai até o banheiro, reluzente em azul e branco. Flores artificiais de
corando os patamares, emoldurando o espelho. Artificiais pois ela se esquecia de botar água.
Se olha no espelho. A maquiagem que aplicaram em seu rosto começava a derreter conforme suas lágrimas caíam.
Ela sorriu. E ao sorrir, começou a chorar compulsivamente.
-Eu... não... aguento.. mais.. sorrir. Ela sussurrava, em panico, paranoica.
Imagens de pessoas rindo, dizendo o quanto ela era gentil, o quanto era bonita, a assombrava.
O riso deles eram barulhos em sua mente, e ela queria calá-los.
Usava o álcool para tentar calar as vozes.
Passou a mão pelos olhos, cobertos de rímel e lápis, e pela pele, coberta de base, que sufocava seus poros.
A maquiagem, que estava ligeiramente borrada, começara a ficar bizarra, fantasmagórica, grandes rios pretos descendo dos olhos, tinta se misturando.
"Imperfeiçoes. Temos de esconde-las", diziam os maquiadores. E ela ficava lá, sentada, sendo moldada, sendo aperfeiçoada.
E o batom. Aquele batom vermelho cereja que não saía de jeito nenhum. Ela jogava água, passava papel, arranhava seus lábios a ponto de doer. Só queria que aquilo saísse. Esquecia que tinha produtos para remover maquiagem, em seu torpor, em sua embriaguez.
Ela chorava, e assim, apoiada na parede, ela foi escorregando até atingir com um baque, o chão.
Se ela estivesse sóbria, sentiria a coluna reclamar, ao cair de maneira abrupta no solo frio.
Mas ela estava anestesiada, e não sentia mais nada.
As lágrimas formavam-se, pesadas, quentes. Atingiam o chão com força. Ela soluçava e tentava balbuciar palavras, frases.
Os cheiros dos produtos químicos ainda a atormentavam, ainda a perturbavam. Sorrir doía, ser aquela pessoa artificial todo dia.
Dizer a todos que ela se preocupava com todos. Que ela estava bem.
"Vamos adicionar brilho ao seu rosto", diziam eles.
Não havia mais brilho em sua alma.
Ela tateia o chão ao seu lado.
Nem um grão de poeira. Nem um arranhão no chão brilhante.
Ela consegue arrumar um frasco de alguma coisa, parece ser uísque. Entorna tudo em um gole só.
-Eu... não... Ela sussurra, entre soluços. Sua cabeça capenga para frente, e ela tem ânsia de vomito. -... aguento... mais.... fingir. Suspira longamente.
Tudo fica tremulo, os sons ficam estranhos, enjoo. Tudo fica preto.
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-Patrícia, está na hora.
A arrumadeira a sacode, no chão do banheiro. Ela olha com uma mistura de nojo e pena para a mulher que está estatelada na sua frente, arruinada. O que teria acontecido na noite passada? Pensa Patrícia. Suas costas e costelas doem. Ela toma um banho. Escolhe sua melhor roupa. E um copo de água. Pílula para depressão. Pílula para ansiedade. Pílula para motivar-se a viver. Ás oito da noite, ela olha confiante para a câmera, e diz para milhares de brasileiros e brasileiras:
-Boa noite.
E sorri.
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