Quem me conhece sabe o quanto eu amo o caos.
18/05/17. Cinelândia, centro do Rio de Janeiro. Nas ruas, manifestação pacifica contra nosso presidente interino Michel Temer. Alguns brandindo bandeiras, gritando, esmurrando os punhos no ar, outros apenas acompanhando silenciosamente, dando corpo ao movimento. Lá estava eu, de calcas, blusa preta regata e minha mochila preta de praxe. Eu e mais três amigos. Marchávamos junto aos outros manifestantes pacíficos, até que eu vejo eles, atrás de nós, com seus casacos negros, alguns com máscaras respiradoras, escudos, garrafas, munidos de suas armas caseiras e sabe-se lá o que mais. Eles marchavam juntos, com suas camisas enroladas na cara, e eu só conseguia admirar a tamanha coragem que eles tinham de enfrentar a polícia assim, cara a cara, enquanto a maioria corria. Chegamos no ponto final, a praça da Cinelândia, onde fica o Theatro Municipal, o Cinema Odeon, a Biblioteca Nacional, dentre outros. Lá, começaram a discursar em um carro de um partido político qualquer, e eu estava plenamente entediada, embora sempre reagindo aos gritos e bramidos da população, unindo minha voz ás demais. Até que chega uma garota, também com uma blusa amarrada, e pergunta para um cara: -E então? E ele responde: "-Calma que vai começar..." Não sei quem iniciou, só sei que mais ao norte havia uma ruazinha com muitos fardados, e o tumulto começou de lá.
Ao estourar da primeira bomba, o povo se dissipou com uma rapidez impressionante. Foi bizarro, uma hora a praça estava cheia de gente aglomerada, outra hora ainda estava cheio, mas uma grande quantidade de pessoas foi embora. Eu não iria embora, eu não recuaria perante o som de bombas, eu lutaria, e, se não fosse minha amiga, lutaria mais ainda. Quando eles atiraram as bombas em nós, nos assustamos. O impulso era sair correndo para algum lugar calmo. Mas não fizemos isso, eu disse a mim mesma que resistiria, que não deixaria o movimento morrer, que não estaria lá para nada, que não me assustaria com barulhinhos. As bombas explodiam, saía gás lacrimogênio e de efeito moral, -POE A CAMISA NA CARA, eu gritava para meus amigos que ainda não haviam o feito. Segurei a mão de minha xará e cantávamos em coro :"Não adianta, me reprimir, esse governo vai cair". E mais, estávamos em uma praça enorme, a praça lá da Cinelândia, e chegou um momento em que a polícia realmente estava se aproximando. Diziam para não corrermos, para não se dissipar tanto, e assim o fizemos, aguentamos firme, vimos o caos se aproximando e lá fomos nós para uma rua apertada em direção a um beco com saída para três ruas. Nada de tumulto por lá, apenas seguimos, nesse ponto eu já tinha me separado de cinco dos meus amigos, agora recebi a informação de que um deles está machucado. Chegando a encruzilhada, vi quebrarem as vidraças de um banco aleatório, quebrarem lixeiras, tacarem seu conteúdo no meio da rua, tacarem fogo na porra toda e ver as chamas subindo, mas não foi muito alto não. Mesmo assim foi uma imagem linda de se ver, atearam fogo em vários pontos, aquelas imagens negras, inclinadas em direção das chamas, que cresciam, tudo isso com o gás por trás, pronto para fazer nossos olhos lacrimejarem. A polícia nos cercou por trás e pela esquerda, só havia a direita para ir, e mesmo assim , eles estavam nos pressionando, sem cessar com as bombas, mas meus olhos se recusavam a fechar, minha boca não ardia pois a blusa estava sempre na frente, cobrindo-a e meu nariz também. Enquanto alguns queriam fugir, desesperados, eu queria seguir o fluxo, estava confortável no olho do furacão, no limiar do caos, com todos gritando a minha volta e com corações disparando, e eu apenas me deliciando com aquilo, estava me sentindo viva como não me sentia há muito.Quando estávamos encurraladas, não sabíamos para onde ir, eu peguei na mão dela e disse para seguirmos onde está mais gente, que se nos dispersarmos seria pior. Fomos para a direita e fomos em direção a mesma praça de antes, demos uma volta. O ar estava muito impregnado com o gás, tinha gente passando mal nas calçadas, nas bordas. Meus olhos estavam começando a me incomodar bastante, e os da Mariana também, estavam vermelhos, lacrimejavam, ardiam, e eu sabia que não poderia colocar as mãos nos olhos em hipótese alguma, nessa hora estava bem difícil de seguir em frente. Houve um momento em que eu respirei fundo, pela boca, com a camisa abafando, e senti tudo queimando, boca, garganta, pulmões. Mas só essa vez. Comecei a ficar levemente desesperada, pedi a um cara que borrifasse leite de magnésio nos meus olhos e nos da Mariana, e deu tudo certo, estava sentindo que meus olhos estavam maravilhosamente bem novamente. Gritamos que resistíamos, mesmo encurralados, mesmo com toda a pressão da polícia, nós andávamos e gritávamos e cantávamos e... andávamos rápido novamente. Fato curioso: em uma de nossas escapadas, passamos por um bar, onde as pessoas estavam se amontoando lá dentro com um desespero crescente, e alguém responsável pelo bar estava LITERALMENTE, ESCALANDO AS PAREDES PARA TENTAR FECHAR O LUGAR, foi engraçado de se ver, ahhh o caos estampado no rosto das pessoas.... chegamos a praça novamente, com as caras brancas, levemente cansadas, sem saber para onde ir. Ficamos uns cinco minutos tentando nos decidir, pegamos uma direção, gritaram conosco dizendo que não deveríamos ir por lá, pois a polícia estava cercando novamente, e fomos seguir o fluxo, novamente, em direção a Carioca. Chegando lá, eu ainda queria presenciar o tumulto e a baderna, e a Mariana apenas queria ir embora. Quando começaram a correr na nossa direção, e o barulho das bombas e o gás acompanhando-os, Mariana disse para irmos logo ao Metro, e lá fomos nós, e assim acaba a aventura.
Não sou anarquista, mas também estou longe de apoiar quaisquer governos. Eu só quero ver o caos mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário