Mas as mulheres também sofriam de forma diferente, porque eram vítimas de abuso sexual e outros maus-tratos bárbaros que só poderiam ser infligidos a elas. A postura dos senhores em relação às escravas era regida pela conveniência: quando era lucrativo explorá-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero; mas, quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente à sua condição de fêmeas
. O estupro, na verdade, era uma expressão ostensiva do domínio econômico do proprietário e do controle do feitor sobre as mulheres negras na condição de trabalhadoras
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4248256/mod_resource/content/0/Angela%20Davis_Mulheres%2C%20raca%20e%20classe.pdf
Frazier descreve de modo dramático o terrível impacto da escravidão sobre o povo negro, mas subestima a capacidade dessas pessoas de resistir à influência da escravidão na vida social que criaram para si. Frazier também interpretou mal o espírito de independência e de autossuficiência que as mulheres negras desenvolveram por necessidade e, por isso, lamentou o fato de que “nem a necessidade econômica nem a tradição incutiram [na mulher negra] o espírito de subordinação à autoridade masculina” [33] .
[...] a típica família escrava era matriarcal em sua estrutura, pois o papel da mãe era muito mais importante do que o do pai. A família envolvia uma parcela significativa de responsabilidades que tradicionalmente pertenciam às mulheres, como limpar a casa, preparar a comida, costurar roupas e criar os filhos. O marido era, quando muito, o ajudante da esposa, seu companheiro e parceiro sexual. Era quase sempre visto como propriedade dela [o Tom da Mary], assim como a cabana em que viviam.
Ainda que haja um resquício de supremacia masculina em sua análise, por insinuar, como ele faz, que masculinidade e feminilidade são conceitos imutáveis, Genovese reconhece claramente que O que normalmente tem sido entendido como uma debilitante forma de supremacia feminina era, na realidade, um modo de chegar mais próximo de uma saudável igualdade sexual, maior do que era possível encontrar entre a população branca e talvez até entre o povo negro no pós-Guerra Civil
harriet tubman
Da mesma forma que o estupro era um elemento institucionalizado de agressão ao povo vietnamita, concebido com a intenção de intimidar e aterrorizar as mulheres, os proprietários de escravos encorajavam seu uso terrorista para colocar as mulheres negras em seu lugar. Se elas conseguissem perceber a própria força e o forte desejo de resistir, os violentos abusos sexuais – é o que os proprietários devem ter raciocinado – fariam com que elas se lembrassem de sua essencial e inalterável condição de fêmeas. Na visão baseada na ideia de supremacia masculina característica do período, isso significava passividade, aquiescência e fraqueza.
eu já disse que odeio a sociedade? odeio a sociedade
P. 26
A cabana do Pai Tomás
Harriet Beecher Stowe
Talvez a esperança de Stowe fosse que as mulheres brancas, ao ler seu livro, se identificassem com Eliza. Elas poderiam apreciar a superioridade de sua moral cristã, seus inabaláveis instintos maternos, sua delicadeza e sua fragilidade – já que essas eram as qualidades que as mulheres brancas eram ensinadas a cultivar em si mesmas
As Elizas, se existiram, certamente foram as exceções em meio a maioria das mulheres negras. Elas não representam, em hipótese alguma, as experiências acumuladas por todas essas mulheres que labutaram sob o chicote de seus senhores, trabalharam para sua família, protegendo-a, lutaram contra a escravidão e foram espancadas, estupradas, mas nunca subjugadas. Foram essas mulheres que transmitiram para suas descendentes do sexo feminino, nominalmente livres, um legado de trabalho duro, perseverança e autossuficiência, um legado de tenacidade, resistência e insistência na igualdade sexual – em resumo, um legado que explicita os parâmetros para uma nova condição da mulher.
P. 50
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