Eles passam de mãos dadas, entretidos na conversa um do outro. Cândidos, embebidos. Olho nos olhos dela, e parece que ela tenta fugir de tudo olhando nos olhos dele, parece que ele está presente. Eles passam, observam os cachorros, ignoram as pessoas. Olhem para mim, penso. A noite está sem graça e a fumaça dos cigarros já se misturou a da poluição. Será que eles têm segredos? Será que são um casal cooperativo? Parecem aqueles casais sem problemas. Estou aqui, bebo meu café, cumpro meu plantão. Minhas botas lustradas, uniforme passado, olho as horas, onze e trinta e oito. Ela vem, olhos que se adaptam da imensidão da rua às mais diversas máscaras do ambiente confinado em que habita. Passa e murmura um rápido :- boa noite , mal posso escuta-lo, mal quero responde-lo. Por que não quero responde-lo? Talvez porque eu nunca serei esse outro do casal, esse ser inexistente que poderia suprir alguma coisa... Eu sou só o cara que olha, mas, claro, tenho minha esposa. E de longe parecemos tristes, eu falo "Angela precisamos parecer menos tristes , os vizinhos vão perceber" , e ela assente passivamente, enquanto deixa queimar mais um bolo. Voltando para a garota , ela me disse seu nome algum dia, carreguei as suas malas para lhe aliviar o desprazer de carregar trezentos quilos de coisas que nem sei o que poderiam ser. Será que carreguei drogas? Sendo um vigilante, o quão contraditório isso seria? Ela chega hoje, acompanhada do cara. Bonito, olhos fixos, estáveis, um quê vidrados, perdidos. Se ela gosta dos perdidos , que pena, sou achado. E o que achei não me agrada. Cheio de mágoas vazias, acrescento esta uma ás outras: me magoo pois você não está comigo, você nem as outras anas claras, Julias, Larissas, Boas, e escolhem esses outros pedros, Marcos , Joãos, Guilhermes. Vocês chegam, dizem um rápido "boa noite", ela parece cansada e aumenta um pouco o tom de voz. Ele parece tentar fazer de tudo para deixa-la bem, seria uma briga? Seria um casal não perfeito, seria um "eu te amo" petrificado, seria um jogo de blefes escondido? Seria um jogo? Venha para mim, Ana , Juliana , Paula , Catarina , prometo lhe amar como esses mascarados não o fizeram, prometo lhe ver por trás da face e da alma, penso. Deve lhe doer? Com ele, amaciam-se as dores e imperam seus silêncios diante da força que dois somam? Ou priva-se da liberdade de ter sua própria subjetividade, será que você é uma farsa, Catarina? Será que vou ver uma matéria sua no jornal dizendo que você matou seu noivo ? Não sei, por isso pego um cafezinho, adiciono um pouco de açúcar, ligo a TV e espero.