Que lindo tomateiro- a natureza é realmente maravilhosa- Não deixem que peguem todos os tomates, vamos dividir igualmente- se todos nós pegarmos 10 tomates, não vai sobrar pra cidade. Uma carreta está na frente do tomateiro, pedindo para que as pessoas se afastem, ou ela vai passar por cima de todo mundo, assim mesmo. Um menino chora. - Onde vou pegar tomate agora??? Um homem se ajoelha a frente do tomateiro de mais de três metros de extensão e fala: - Pois é, esse espaço virou um alvo de gigantesca especulação imobiliária...
O arqueiro tenta mirar no centro. Pega a flecha, alisa as penas. Senta no chão, olha as nuvens passando. Passam tão rápido, mas tão devagar para uma cigarra, que nasce, canta, morre. Olha todos os passantes, meras sombras sussurrantes. A lança em seu colo, aninhada como uma pomba. Ele levanta, espeta a lança diretamente no alvo, sem usar o arco e flecha, como uma mera ação catártica. Quebra o suporte, joga terra na placa de madeira, chuta, as sombras sussurrantes elevam em um decibel o tom de seu lamento fúnebre, e os pássaros, tão leves passando acima de sua cabeça. O arqueiro rasga seu interior, joga seu intestino, estômago, fígado ao vento, e agora ele também pode voar, voa e olha para a pequeneza de tudo. Um avião bate de frente com o arqueiro, ele cai. Ele cai e pensa, deveria ter feito mais, deveria ter sido, deveria ter tido, deveria ter sido , deveria ter tido. Já sem estômago, ele cai no chão como se feito de massinha, seu corpo se contorce para frente e para trás , sem romper um músculo, um tendão. Algo está errado. Ele tenta nadar até o fundo das fossas abissais do oceano encontrar com Zaratrustra, mas a tensão superficial da água o repele. Ele volta para o alvo, estraçalhado no chão. Por pouco não começou a depenar, uma por uma, as peninhas artificiais da flecha. Em um dado momento, pega o arco, em um ímpeto só, aponta a flecha para a própria cabeça, fala mas não sai nenhum som. Puxa a seta para um metro a extensão do braço, apontando para a própria cabeça, somente pensando se assim acertaria o alvo. Quem iria lhe impedir? Suas roupas marrons meio rasgadas cheirando a grama exposta muito tempo ao sol , ele repousa o arco no chão e chora, se contorce de dor por não ter mais estômago. -Por que você tirou ? Ele se pergunta. -Para não levar mais socos. Só lhe resta o desejo de chorar, invejando as nuvens que desaguam com tanta naturalidade, talvez o que ele precisasse seja isso, naturalidade, tudo parece de plástico, ele olha para as mãos, para os pés, plástico. Por isso que caiu e não se machucou. Virei de plástico, pensa ele. Ele bota a mão no fogo, a mão vai derretendo e ele se transforma em uma poça de plástico. Tá, e agora? Pensa a poça de plástico. Alguém passa, olha para a poça de plástico, o pega , bota no bolso, e agora o arqueiro está sendo sacudido para cima e para baixo, e pensa , que diabos. O nome do cara é André. André tem uma filha e uma mulher, é corretor de imóveis , tem um salário estável, trai a mulher de vez em quando com Lurdes da padaria, mas ele nem desconfia que sua mulher também o trai, mas nada que afetasse a relação dos dois. A filha, Gisele, tem sindrome de down, e é penoso o processo de adaptação da mesma em diversos contextos. André chega em casa, bate os pés no tapete, a mulher está tomando banho, ele comenta:
-Ana, cheguei.
Ele amassa em uma bolinha o plástico que era o arqueiro, o deixa embaixo do pé da mesa, ela estava oscilando. Agora não está mais.
O arqueiro, um dia, entediado, se descontorce todo, se levanta elegantemente e sai da casa da família.
Procura pelo seu alvo despedaçado. E lembra que...
Ele pega as vigas de madeira. Sai para ir a cidade arrumar pregos para pregar a madeira. Em um beco, resolve pintar um alvo enorme em uma parede de concreto cinza, e, rapidamente , retira do bolso um pincel e tinta vermelha, e faz um círculo gigante na parede, e nesse instante um policial a paisana passa e atira na cabeça do arqueiro, sua cabeça indo parar exatamente no centro do grande círculo vermelho.
A cabeça , no meio do alvo com o tiro pintando a parede inteira de vermelho, é lavada junto com outros amigos do policial que dizem:
-É foda, hein.
Pegam baldes, jogam pinho sol na água, jogam na parede, a água sai metade com cor vermelha, metade com cor meio cinza, a cabeça decepada rolando conforme os policiais varriam, e enquanto isso o corpo sem cabeça conseguiu escapar, o sangue coagulou, ele sai com os preguinhos na mão, senta na grama , pergunta para um colega que passa:
-Ei, me empresta um martelo?
E o colega responde:
-Claro, toma.
E o arqueiro sem cabeça passa a pregar , um por um, os pregos de volta no suporte, as vigas se juntando. Passa um verniz, limpa a tinta derretida, procura duas outras vigas pois quebrara as antigas há um tempo que não se pode contar facilmente. Ele começa a se culpar por ter chorado, mas aí lembra que nem mais estômago tem, e volta a procurar as vigas. Em um impulso, corta as pernas fora com um facão, também emprestado, e, pulando, enfia as pernas de plástico embaixo do suporte de madeira.
Sem cabeça, nem pernas, ele, quicando, procura algo para testar seu alvo recém reformado. Deita no chão, a ponto de deixar seu pescoço livre confortável, o dia está bonito , as nuvens passam, lisas. Os pássaros passam, leves. ''Preciso de algo para arremessar no alvo, meu arco se foi há muito'' pensa ele. ''Para onde diabos pode ter ido meu arco?'' Talvez uma criança tenha pegado para brincar, se for isso, fico me sentindo bem.
Uma senhora passa por ele, carregando um cesto de legumes, e oferece a ele um tomate. -Olha, meu jovem. Colhi esse tomate especialmente para você, que está aí sem cabeça nem pernas. A senhora de rosto bondoso, o chapéu sacudindo no vento. Ela levanta com dificuldade, os ossos rangem, ela olha para o horizonte por cima do ombro, e vai.
O arqueiro, sem pernas, sem cabeça, pega o tomate. Olha para o alvo. Procura uma faca. Abre o tomate em dois, faz um buraco na terra, tomate plantado. Ele dorme.
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