-Mãe, por que você está andando toda torta?
-Porque eu estou bêbada. Disse minha mãe, ao andar apoiada
em mim, com saltos cheios d’água , de tanto dançar na chuva. Já estava cansada
de apoia-la.
Duas e meia da manha de uma madrugada fria e úmida.
Chegamos a uma esquina e ela disse que iria pegar um uber.
Colocava o endereço, mas o endereço nunca ficava correto, ela se estressou e começou
a bater forte na tela com os dedos, de maneira bem racional. E nada. Até que
ela disse que o carro pararia do lado oposto da rua. Ela atravessou a rua, e eu
fiquei literalmente esperando o nada, parada na esquina, com frio e de saco
cheio dos saltos.
Eu não preciso de saltos, já tenho quase 1,80 de altura, mas
minha mãe insiste que minhas botas não estão aptas para eventos chiques.
Já estava começando a cansar, quando passa um carro preto aparentemente
caro, janela abaixada, e um cara (não consigo enxergar direito sem lentes nem
óculos) aparentemente velho chega perto de mim, desacelerando, e fala algo que
eu entendi como :
-Quer carona?
Eu fiz que não com a cabeça, mas o cara não desistiu, ele me
passou um pouquinho, e ficou olhando para trás, na minha direção. Ele perguntou
algo mas não escutei. Depois de uns momentos, desistiu e acelerou.
Minha mãe atravessa a rua logo depois, com um aspecto
raivoso e pouco se lixando se tem carros passando ou não.
-DEU DENIED, RECUSARAM MEU CARTÃO, MAS EU ACABEI DE PAGAR A
*PORCARIA* DA CONTA, PORCARIA! (Ela é meio contra palavrão, mas xinga em inglês
e em sérvio, vai saber). E ela continuou agredindo a tela.
Ela me manda ir a pé, arrependida, triste. Eu penso: Oh boy.
Queria ir para casa de uber, mas fazer o que.
E lá fui eu, minha mão esquerda estourada por uma disputa no
bar ontem, pés doloridos, mente cansada, maquiagem começando a sair. Nos
primeiros metros, outro carro preto, mas este com um motorista mais novo, está
andando devagar e para.
-Pra onde você está indo, tao triste?
Não sabia que minha cara de paisagem me faz parecer triste.
-Para casa- disse, continuando a andar. –Não estou triste, não.
-Tá tranquilo?
-Tá favorável, respondi.
-Você é muito bonita, sabia?
-Obrigada, muito gentil. Disse eu, sorrindo. Precisava de
uma aumentada no ego mesmo.
Ele murmurou alguma coisa a mais e eu não consegui ouvir.
-Boa noite! Fiz o sinal de saudação de dois dedos na lateral
da testa, e fui embora.
Continuando o percurso, me deparei com quatro bêbados, duas
mulheres e dois homens, quase que fechando a rua, andando em direção oposta a
minha.
Eu acho que eles se direcionaram a mim me chamando de algo
como Mortiça.
Pudera, estou toda de preto, alta, cabelo liso, pele muito
branca.
Passei por eles, por dois amigos silenciosos, por um bêbado de
blusa branca capengando pela rua, e estava pensando em escrever esta pequena crônica
quando ouvi um vibrante FIU-FIU do outro lado da rua. Nesse momento eu me
desliguei completamente do que estava pensando, desnorteada. Acho que estavam
me confundindo com uma prostituta, não é possível.
E então comecei a pensar em coisas legais, como essa música em
inglês:
Deixe tudo queimar
Eu queimarei primeiro
É o que eu mereço
Deus, eu menti
Estarei eu preso em seus olhos?
E no meio do meu momento de reflexão meio depressiva escuto
outro fiu-fiu estridente, aposto que foi do caminhão que estava passando.
E nisso comecei a refletir – Enquanto eu penso sobre morte e
queimar pessoas e sufocar sentimentos, os outros estão me vendo como uma
prostituta eslava, desolada pelas ruas de Copacabana, com sentimentos fracos e
inúteis, só mais um pedaço de carne podre para os urubus.
Atravessei a rua de volta, passei em frente a minha instituição
de ensino e vi duas meninas, uma parece que me reconheceu rapidamente, ficamos
nos encarando enquanto eu passava. Passei também pela reunião dos 1) Alcoólatras
anônimos 2) Narcóticos anônimos, ou algo do gênero. Seus integrantes estavam no
meio da rua, socializando. Dois deles me encararam por um bom tempo, mas só
segui em frente, pés e mão doendo.
Vi o bêbado que tinha visto mais cedo, logo atrás de mim.
Cogitei a ideia de ele estar me seguindo, mas eu entrei rápido no prédio e deu
tudo certo.
Não tenho lição de moral, mas estou com sono, então vai
essa: Não aceite tudo, mesmo se for de graça. E não estoure sua mão por
orgulho. Vai doer no dia seguinte. E no outro.
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