sábado, 24 de setembro de 2016

Registro Madrugada na rua


-Mãe, por que você está andando toda torta?
-Porque eu estou bêbada. Disse minha mãe, ao andar apoiada em mim, com saltos cheios d’água , de tanto dançar na chuva. Já estava cansada de apoia-la.
Duas e meia da manha de uma madrugada fria e úmida.
Chegamos a uma esquina e ela disse que iria pegar um uber. Colocava o endereço, mas o endereço nunca ficava correto, ela se estressou e começou a bater forte na tela com os dedos, de maneira bem racional. E nada. Até que ela disse que o carro pararia do lado oposto da rua. Ela atravessou a rua, e eu fiquei literalmente esperando o nada, parada na esquina, com frio e de saco cheio dos saltos.
Eu não preciso de saltos, já tenho quase 1,80 de altura, mas minha mãe insiste que minhas botas não estão aptas para eventos chiques.
Já estava começando a cansar, quando passa um carro preto aparentemente caro, janela abaixada, e um cara (não consigo enxergar direito sem lentes nem óculos) aparentemente velho chega perto de mim, desacelerando, e fala algo que eu entendi como :
-Quer carona?
Eu fiz que não com a cabeça, mas o cara não desistiu, ele me passou um pouquinho, e ficou olhando para trás, na minha direção. Ele perguntou algo mas não escutei. Depois de uns momentos, desistiu e acelerou.
Minha mãe atravessa a rua logo depois, com um aspecto raivoso e pouco se lixando se tem carros passando ou não.
-DEU DENIED, RECUSARAM MEU CARTÃO, MAS EU ACABEI DE PAGAR A *PORCARIA* DA CONTA, PORCARIA! (Ela é meio contra palavrão, mas xinga em inglês e em sérvio, vai saber). E ela continuou agredindo a tela.
Ela me manda ir a pé, arrependida, triste. Eu penso: Oh boy. Queria ir para casa de uber, mas fazer o que.
E lá fui eu, minha mão esquerda estourada por uma disputa no bar ontem, pés doloridos, mente cansada, maquiagem começando a sair. Nos primeiros metros, outro carro preto, mas este com um motorista mais novo, está andando devagar e para.
-Pra onde você está indo, tao triste?
Não sabia que minha cara de paisagem me faz parecer triste.
-Para casa- disse, continuando a andar. –Não estou triste, não.
-Tá tranquilo?
-Tá favorável, respondi.
-Você é muito bonita, sabia?
-Obrigada, muito gentil. Disse eu, sorrindo. Precisava de uma aumentada no ego mesmo.
Ele murmurou alguma coisa a mais e eu não consegui ouvir.
-Boa noite! Fiz o sinal de saudação de dois dedos na lateral da testa, e fui embora.
Continuando o percurso, me deparei com quatro bêbados, duas mulheres e dois homens, quase que fechando a rua, andando em direção oposta a minha.
Eu acho que eles se direcionaram a mim me chamando de algo como Mortiça.
Pudera, estou toda de preto, alta, cabelo liso, pele muito branca.
Passei por eles, por dois amigos silenciosos, por um bêbado de blusa branca capengando pela rua, e estava pensando em escrever esta pequena crônica quando ouvi um vibrante FIU-FIU do outro lado da rua. Nesse momento eu me desliguei completamente do que estava pensando, desnorteada. Acho que estavam me confundindo com uma prostituta, não é possível.
E então comecei a pensar em coisas legais, como essa música em inglês:
Deixe tudo queimar
Eu queimarei primeiro
É o que eu mereço
Deus, eu menti
Estarei eu preso em seus olhos?
E no meio do meu momento de reflexão meio depressiva escuto outro fiu-fiu estridente, aposto que foi do caminhão que estava passando.
E nisso comecei a refletir – Enquanto eu penso sobre morte e queimar pessoas e sufocar sentimentos, os outros estão me vendo como uma prostituta eslava, desolada pelas ruas de Copacabana, com sentimentos fracos e inúteis, só mais um pedaço de carne podre para os urubus.
Atravessei a rua de volta, passei em frente a minha instituição de ensino e vi duas meninas, uma parece que me reconheceu rapidamente, ficamos nos encarando enquanto eu passava. Passei também pela reunião dos 1) Alcoólatras anônimos 2) Narcóticos anônimos, ou algo do gênero. Seus integrantes estavam no meio da rua, socializando. Dois deles me encararam por um bom tempo, mas só segui em frente, pés e mão doendo.
Vi o bêbado que tinha visto mais cedo, logo atrás de mim. Cogitei a ideia de ele estar me seguindo, mas eu entrei rápido no prédio e deu tudo certo.
Não tenho lição de moral, mas estou com sono, então vai essa: Não aceite tudo, mesmo se for de graça. E não estoure sua mão por orgulho. Vai doer no dia seguinte. E no outro. 

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