domingo, 18 de setembro de 2016

Dominó

Dois e quatro. Quatro e seis. Seis e um. E assim ia. Minhas tardes, depois da escola, fins de semanas desocupados. Eu jogando com meu pai. Tinha sete anos apenas, todo um mundo a ser explorado ainda. O jogo era tao simples, só colocar as pecinhas uma atrás da outra, comprar, ficar com uma quantidade enorme. Várias reviravoltas. Eu realmente me divertia á vera. E meu pai se sentia presente, um pai incrível gastando algumas horas de seu dia para brincar com a filha. Nós sentávamos de pernas cruzadas, no chão mesmo, e era legal. Eu chegava e pedia a ele para jogarmos dominó. Sempre fui muito competitiva, vibrava quando ganhava e clamava por vingança quando perdia.
 Até que um dia eu cansei. Da mesma brincadeira, dos mesmos hábitos. Perguntava a meu pai se havia algo para fazer, ele me olhava com olhos desolados e sugeria que jogássemos dominó ou que eu desenhasse. Eu não queria, eu queria fliperamas ou comprar algum brinquedo novo, eu cansei das coisas usuais e simples. E ele me chamava para jogar. Eu estava no meu quarto imersa na solidão, fazendo alguma coisa irrelevante, ele batia a porta para me perguntar se eu queria jogar, e eu respondia: -Não, é chato! E aos poucos, ele foi parando de me chamar. Nunca mais me chamou, nunca mais jogamos.
O jogo de dominó? Não deixei minha mãe jogar fora. Ela faz questão de jogar tudo que não uso mais fora: Brinquedos, roupas, tudo. Está aqui do meu lado. Fiz questão de pega-lo do armário, todo empoeirado. As letras coloridas. Abri a caixinha, de madeira e um lado meio lascado, e vi as pecinhas, cada uma única, sem nenhuma faltando. Meus olhos ficaram marejados, olhando para o estado de abandono do jogo, me fez mal, queria que alguém se divertisse com isso ainda. Não escorreram lágrimas, estas já secaram há muito.
Não falo mais com meu pai como eu falava. Com o tempo, eu cresci, comecei a pensar mais sobre a expressão dos pensamentos políticos e sociais dele, e cada vez mais percebi que discordava com tudo aquilo. Ia para restaurantes com ele, cada um imerso em seu próprio celular, conversando com pessoas mais aprazíveis.

E é isso, as últimas palavras que troquei com meu pai hoje foram: - MEXI NA INTERNET SIM, FECHA A PORTA. E é isso, não falo quase nada com ele, não jogamos mais dominó. Saudades de quando as coisas eram mais simples e eu não o julgava pelos seus posicionamentos ou pelo fato de que ele está desempregado desde que me entendo por gente. Ele era somente meu pai e eu sua filha, e a gente conseguia se divertir.

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