''Antes mesmo do mundo existir, quando ainda não havia nada, havia uma mulher.'' Lacave evoca o totem geocosmológico gerador do universo, uma homenagem espiritual aos Desanos, etnia indígena que se encontra no noroeste do Amazonas. Como o universo pode ter sido criado?
A obra Maloca Lunar Branca, de Lacave, é o contar desta história, é o evocar realidades que nutrem, que exaltam e respeitam a natureza, assim como o espaço escolhido para acolher o Site: A praia de Grumari. A experiência se constitui em um convite sinestésico, o cheiro do oceano, instâncias meditativas para contemplação e imersão dentro de si, e dentro desta imensidão composta de células, conseguir enxergar o universo.
Dentro do Site, o espectador torna-se xamã de si, deslocando-se, revelando efêmeros caminhos por entre os grãos de areia. Abaixando-se, o espaço interno é acessado poderiam se alocar até duas pessoas, em reclusão, o manter-se em diálogo com os ancestrais, com a praia, com os Orixás, a gratificação a história ancestral, ás marcas e registros deste povo. Banhados com reconfortante luz natural, os espectadores podem desfrutar do tecido como constituinte do próprio corpo: o vento que o atinge eriça os pêlos de seu corpo, a maresia ao tocar na lona. Lacave estabelece uma dança silenciosa entre Yemanjá, ao agracia-la com tamanho presente, esse memorar, registrar e louvar a espiritualidade desse povo dos rios.
Lacave retrata, com este trabalho, a comunhão da imensidão dos oceanos, como alusão ao universo infinito, com o fluir cuidadoso e harmônico dos rios, o cuidado, o lar, que engloba, abriga, acolhe.
constitui-se em tecidos-vivências atados pela artista, a linha é seu próprio fio norteador em sua espiritualidade. A tenda, de dimensões variadas, é constituída a partir de suas vestimentas,
Cada componente da obra de Lacave é pensado, as vestimentas de quando era filha de santo, em coloração branca, como o quartzo branco, material constituinte da Maloca do Universo, da tradição Desana.
A mesma teria sido criada, em sua tradição geocosmológica, por uma mulher, a avó do mundo, Yebá Būró.
A obra de Lacave traz uma concepção geocosmológica distinta da normatização colonial a que estamos sujeitados no ocidente, uma vez que a mesma não se utiliza de maiores hierarquias entre gêneros, materiais, animais, os seres constituintes do cosmos se revezam entre si, e assim gerem seu equilíbrio. Após a criação do mundo, a avó cria os homens, sob a forma de trovões.
É interessante pensar que, durante a exposição, o tempo esteve nublado,
No que permanece, os buracos, registros e rastros da matéria, assim como essa história, tão necessariamente relembrada, sussurrante como o vento que varre os grãos de areia, estes um dia foram minerais, rochas, quartzos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário