Signos escondidos pelos vértices do espaço, localidades não facilmente identificáveis. Se demorar no olhar, experienciar o entorno, captar as sutis oscilações pictóricas que se propõe o trabalho de Bruna Werneck. A obra, denominada Morada da Grandeza, utiliza em seu título a antítese, uma vez que a mesma se utiliza de material em escala diminuta.
O trabalho de Bruna Werneck estipula um ponto de tensão acerca da problemática concernindo a megalomania na apreensão humana, uma vez que o impulso dominar-reter capturar o máximo de informação possível, impossibilita a dimensão sensível-afetiva de ser captada, uma vez que a mesma se dá em minúcia, silêncios , brechas e afins. Aqui abarca-se a problemática da não apreciação, mas o consumir imagem como signo a ser dominado, digerido em segundos, a busca eterna pelo ''novo'', o ''interessante''.
A artista busca questionar e estabelecer um viés crítico a partir do cone de apreensão congnitivo-visual como local de disputa, uma vez que os signos mais brilhantes, mais chamativos, buscam a hegemonia e delimitar a demarcação pictórica das instâncias socio-espaciais pelas quais o indivíduo se desloca. Vide as propagandas, rótulos, banners, outdoors, não apenas buscando o apelo máximo imagético, mas também o fazem enquanto som.
Para onde incide o olhar humano? Onde está circunscrita a zona de interesse pictórico no que concerne a apreensão do entorno? Imersa no recorte histórico presente , a obra adota o questionamento: é invisível aos olhos humanos o vírus que alterou as condições de um complexo modus operandi global, sendo este um ponto-cego, a falha na matriz a qual os homens não haviam previsto. Como estamos, o que estamos e porque estamos vendo? Será que estamos ignorando algo? Será que há mais pontos-cegos nesta matriz? Onde eles se localizam?
O trabalho se desenha conforme a artista projeta uma cartografia dos entornos e adjacências no espaço expositivo, instalando suas colagens de escala mínima, estes habitualmente passando despercebidos pela incidência costumeira do olhar do sujeito apreensor.
A artista caminha por entre instituições públicas, museus, galerias, espaços culturais, coletando fragmentos para compor sua arqueologia dos cantos, uma vez que estes espaços estão, em sua maioria, indicando e apontando os locais de interesse óptico, como hegemonia. A mesma configurou para si um laboratório dos materiais deixados a deriva, ao olhar periférico da apreensão socio-espacial, em que esta seleciona duas chapas de acetato, e assim passa por um scanner, o que configura e tece uma atmosfera onírica em que fragmentos de cabelo, vidro, flores, poeiras, linhas e espumas, dentre outros, tornam-se seres reconfigurados, personagens a serem conhecidos e explorados, estes que já teriam sua vida útil esgotada, uma vez que são configurados como descarte, lixo, entulho.
Por fim, a artista busca desafiar-se cotidianamente para trazer esta mudança de paradigmas acerca do olhar condicionado e tão culturalmente moldado, uma vez que, o indivíduo na contemporaneidade, muitas vezes não enxerga por si, mas precisa do condicionamento, o que é interessante? Podemos traçar um paralelo com os influencers digitais, que apontam e condicionam o comportamento em inúmeras instâncias, e por este motivo, influenciadores: O trabalho de Werneck é poder apropriar-se do cone de interesse óptico-espacial, trazendo uma configuração inédita de personagens, objetos tornados sujeitos, questionando a sociedade do descarte. Por que não re-coletar, re-captar, transfigurar os elementos que já se encontram no espaço, uma vez que, buscando o novo, acabamos por descartar mais velozmente.
O trabalho da artista lida com o produto deste descarte frenético, por que tais artigos se configuram como lixo? Será que podemos, a partir de diferentes perspectivas ópticas, evocar suas subjetividades individuais, suas minúcias, traços, gestos sublimes, suas formas de ocupar o espaço, percebê-los como seres como nós? A poeira, esta que é captada, coletada empiricamente, para configurar uma composição em negativo, são os resquícios das células que deixaram de vibrar. O que Werneck pretende evocar, com a obra, é a conversa atemporal, um rasgo no tecido socio-espacial, uma vez que se busca o (re-) conhecimento de que estes seres-sujeitos captados somos nós, nós do passado que deixamos para trás, nós no futuro, nossos corpos, corpos de nossas matérias, nossas essências.