Ele chega lá, as ruas secas, poderia ter chovido, mas só estão secas, assim como as folhas caídas das árvores ao seu redor.
Procura pelo seu público. Não está lá. Olha por debaixo das lápides, o pancake branco escorrendo de debaixo dos olhos. As rugas de expressão de seu rosto coçam para que ele comece a sorrir e escorrer de volta para seu mundo de fantasia.
Ele pega cinco bolinhas, faz malabarismos com ela. O sol é quente, na terceira volta, ele se distrai e deixa cair uma. Agora são quatro. Ele continua com as mãos ligeiras, as bolas suadas feitas de plástico reciclado. Ele pega todas, as enfileira, guarda no bolso, faz uma reverência para o nada.
Ele espera sentado, ansioso para poder fazer os parentes da pessoa querida rirem. Ele olha os pássaros, lembra de sua mãe enferma na cama longe, muito longe. Lembra de seu pai que jamais o aprovou no que faz, mas esses pensamentos são tão recorrentes que ele os repreende fisicamente com a mão em um gesto de dissipar, que ele possa exercer o que dinheiro nenhum pode comprar: empatia, diversão, amabilidade. Ele espera.
Gosta das crianças, elas sempre dão a mão para ele, riem com bocas cheias de balas. Mas ali ele via o oposto da energia vibrante dos pequenos, via uma morbidez, um silêncio tremendo, tinha vontade de ir embora. Mas firmou o contrato, ficaria lá, esperando.
Resolve andar, passa por lápides repletas de nomes esfumaçados, flores, algumas recém colocadas, outras já apodrecendo. Ele tem o desejo de pegar um buquê e tirar flor por flor, antecipar o beijo da matéria orgânica no concreto duro, e por um segundo ele gostaria de abrir uma lápide e despedaçar as flores em cima de um cadáver, era algo que gostaria que fizessem comigo, pensou. Por que porras você está pensando coisas tão mórbidas? Pensa ele. Ele tem vontade de chorar como uma criança. se envergonha por ter trinta anos e estar com vontade de chorar em um cemitério, se sente vulnerável como um garotinho. Quem é ele, Carlos Ricardo da Costa, se sente um algoritmo de uma pulsão ainda viva na cidade, será que seria natural, será que ele despertara risos verdadeiros ou apenas inocentes dos pimpolhos que não viram os maus agouros da vida? Será que estava com saudade de estar imerso na aura preciosa das crianças douradas, que dançam sorriem e brincam a qualquer hora? seria esse um escapismo? o que seria a vida se não um grande escapismo das catástrofes aterradoras que o homem adulto faz? Ele não se arrepende de não querer filhos, o mundo já está repleto de gente. Ele pega uma bexiga, a sopra como se estivesse devolvendo vida a um boneco. A bexiga recebe seu modelar, vira um cachorro. Ele fala:" -Au. " É como se o cachorro estivesse falando com ele, ele o afaga, a borracha de temperatura ambiente, com resquícios daquele pó que ele sempre esquecia o nome. Ele tenta se distrair com a cor vibrante do cachorro, que ele apelida de Jérson. Continua andando pelo cemitério, vê uma senhora chorando ao túmulo de alguém. Carlos amarra Jérson na pilastra ao lado da mulher, nem espera pra ver se ela nota sua presença. Pensa que pode estar sendo infantil, que é só um balão mas... Carlos se sente vivo ao ver que sua intenção de cura através de objetinhos tem algum efeito. Mas agora Carlos absorve o choro dessa senhora, se senta no chão, na sombra de uma amendoeira, e tenta ligar para o contratante. Dois bipes, no terceiro atendem.
-Alô? Quem é?
-Oi, é o Carlos.
-Quem?
-O palhaço.
-(voz abafada) ah, é o palhaço.
-Foi mal, a gente repensou a parada...
Carlos nem precisa ouvir mais, mas continua por educação.
-Mas a gente te pagou metade do valor, só pra não ter ido aí a toa.
Carlos desliga, olha pro céu. Não sabe para onde ir, ou o que fazer. O que será que corrompe os homens, se pergunta. Talvez a ausência de propósito claro, o indeterminismo. Ele gostava de fazer as pessoas rirem, mas elas riam como assistindo a um espetáculo e voltavam para suas realidades, quando ele queria ser pertencente e realmente fazer alguma mudança. Tudo parecia tão engessado. Carlos limpa a cara com a própria camisa, tira o nariz de palhaço, está quente. Carlos pensa que no futuro, gostaria que em seu funeral tivessem tortas, pessoas atirassem-nas nas outras, seus companheiros pareciam tão ocupados ultimamente, queria que eles se recordassem de tempos bons... era engraçado, quase trágico, porque seu trabalho, como homem do entretenimento, era fazer tudo dar certo... O show precisa continuar, e agora ele tinha vontade de chorar. Sabia que deveria ser independente e se auto consolar, mas só no cemitério, queria que chovesse para que mascarasse as lágrimas que logo escorreriam pela sua face. Carlos se lembra que na adolescência, pensou em ser político, por conhecer bastante gente, mas se resguardou diante de tamanha violência que é cultivada por lá, e Carlos se perguntava o porquê de pessoas serem tão complicadas. Alguns o chamavam de inocente, até de infantil, mas ele não via motivo para os impulsos agressivos e possessivos que o cercavam, preferia se resguardar no mundo das crianças, muito mais interessante.
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