de noite
é um exibitório de corpos enfiados em tubos pretos lisos retos
cabelos alisados retos
alguns amarelos
risos exagerados e encontros potentes
de dia
é uma competição de quem faz a cara mais feia para o outro
é a desconfiança estampada na ruga do canto da boca
é o quebradiço e o instável
quando será que vai explodir essa bolha de tensão?
vamos lá
quem fica mais tempo sem fazer nada
sentado no bar, julgando a multidão alheia
expectador
o que espera? que o mundo vire de cabeça pra baixo
e chova dinheiro
quem dá mais olhares filhas da puta?
os nos bares ou nas lojas de construção
ou parados esperando os ônibus
todo dia é um pedinte diferente
cidade ceifadora, cidade cruel
quem consegue alguma reação com os tais olhares filhas da puta
cantar a próxima mulher apetitosa
olhar torto a travesti
falar em linguagem de macho com os que dizem ser seus parceiros
é uma competição de quem vai conseguir um troféu no final da noite
é uma competição de quem vai sair mais bêbado
mais boêmio
de quem a noite vai valer a pena
é um culto a noite
e um esquecimento no dia
é o catador de lixo na manhã de sol rachando a cuca
e os restos da noite anterior, ainda semi-vivos
é o tratar o gringo bem o melhor possível
é o cheiro de xixi cocô e tudo o mais sanitário nas ruas
essas cheias dos moradores que, alguns, nem mais pedem
pela indiferença do ser urbano maquinado
esses mesmos homens sem teto se juntam em grupos
esses mais estáveis que os bichos de escritório
unidos por dinheiro e por utilidade
esses que andam pela lapa quase que dobrando as bordas das calças
para não se sujarem
mas não adianta
lapa limpa é lapa utópica
lapa são as prostitutas travestis pedintes
artistas de rua mochileiros idosos sentados
nas mesas olhando as pessoas
sempre olhando as pessoas
como elas eram antes
e como estão agora
lapa é o músico ignorado no bar
estão todos os clientes no celular
ou parados na porta, a reclamar
da conta que tem que pagar
um falando pro outro
com a tela no meio
lapa é o foco de expectativa
e a grande frustração
de só mais um lugar
com gente exausta do trabalho
e que quer se embebedar
é o olho brilhante do estrangeiro
que suspira em seu grupo com mais
cinquenta estrangeiros
"awesome"
e o carioca que mora longe
espera dar sete da manhã para ir embora
exausto, no ônibus
já pensando na semana a recomeçar
e comenta com o colega, ao lado
"ok, foi normal"
"Já foi melhor"
próxima sexta a noite
vem a pergunta
"vamos sair?"
"Pra onde?"
"...lapa?"
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