sexta-feira, 15 de março de 2019

Faculdade e suicídio

           Lucas tentou passar em cálculo 3 pela terceira vez e falhou. Vinicius também. "Eu só quero me formar". Professores que nem falam português, não tem didática, não entendem a condição socioespacial do Rio de Janeiro, desumanizados. Mas a falta de empatia não é apenas dos professores, é da instituição em si. "A rede mais forte, que me mantem em pé diante todo esse descaso com o estudante são os meus amigos daqui", comenta uma colega.
             Estudantes que trabalham e estudam, sem apoio dos pais. "Universitário é tudo vagabundo", ainda precisam escutar. No turno noturno, estudantes com a cabeça pendendo pelo sono acumulado. Bolsas limitadíssimas, cortes na educação, falta infraestrutura. Universidade pública mas não gratuita, calculadora científica, jaleco, ferramentas, xérox, almoço, janta, dentre outros.  
            "Estou sem casa, posso pelo menos ficar na barraca?" "Infelizmente não, e se continuar ocupando esse chão que não é seu, é da instituição, teremos que lhe dar uma advertência." E deram. Meu amigo foi pedir para cortar algumas disciplinas que já tinha feito antes, cortaram as matérias erradas. Ele foi reclamar e exigir seu direito mais de quatro vezes. Na quarta, a servidora pública comentou, com um riso irônico: "Marcelo, você e seu caso já são famosos aqui, estamos cansadas".
               Zero empatia para acolhimento. O núcleo de acolhimento para a saúde mental do estudante é limitadíssimo, poucas vagas. A faculdade, que deveria ser no mínimo acolhedora, passa a ser carrasca. Antes de provas, alunos desesperados, passando noites em claro, olheiras nos olhos, ansiedades palpitando em corações tão jovens.          
 Eu já fui aluna do CT. A-luna, desprovida de luz, um ser das trevas. Sempre amei ciência, passei para química e fiquei muito feliz. Mal sabia da estrutura da universidade pública e o descaso com a saúde mental dos estudantes.
Mal você chega, já é bombardeado de informações:alojamento
Mantenha o CR alto, só assim vai conseguir estágio. A familia pergunta como está a faculdade, "quando você vai se formar?"
             Iniciou o semestre. Aula de cálculo ás sete da manhã, quem mora longe que se arranje. Tinha colegas que vinham de Santa Cruz, ou mais longe ainda, e acordando quatro da manhã, perdiam metade da aula mesmo assim. Dez páginas de cópia a cada aula, e a minha experiência com cálculo ainda foi com uma professora maravilhosa, paciente, e que considerava todas as minhas enrolações. Notas? 5,5 estudando todo dia, fazendo e re-fazendo exercícios.
              Professores de exatas colecionadores de títulos, e re afirmam todas suas colocações, porém nunca compareceram a aulas de didática, não sabendo passar o conteúdo aos estudantes, cena comum. Depois das provas, alunos sentados nos corredores, chorando. E não dá tempo de ficar triste, porque é necessário estudar para as outras provas. Competitividade crescente entre os próprios estudantes, abrindo espaço para sentimentos de inferioridade e impotência por parte dos alunos. Professores que não consideram o esforço dos alunos, que passam a mesma a vinte anos, sem nem sequer lembrar do conteúdo da mesma, ou não se disponibilizam para informar o conteúdo da prova. Tudo isso converge desde a tristeza e impotência até doenças como ansiedade aguda, depressão e, como visto na última quarta-feira, suicídio.
               O desfecho de uma vida, o último suspiro, uma ideia de fracasso, uma ideia de desespero. Desamparo, sofrimento. Muitos sofrem no escuro e só descobrimos quando é tarde demais. Virou estatística, mais um número a ser documentado. Aulas correram normalmente ao longo do dia, ressaltando a falta de humanidade de um sistema que fragiliza e aterroriza, e a recompensa, depois de tanta luta ? Um canudo, um emprego.
               O estudante se jogou. O assunto? Abordado no dia, foi rareando ao longo da semana. Professores não mobilizados, estudantes preocupados com festas. E a engrenagem sangrenta de um sistema frio, maquinado, cruel, continuando a fazer vítimas, a massacrar e assombrar o núcleo estudantil. E isso sem falar nos congelamentos e cortes estabelecidos pelos governantes. Estudar, resistir em meio a essas condições, é um ato político. Mais um se foi, não foi o primeiro, nem o último. Precisa-se falar sobre saúde mental, sobre suicídio, não existe "assunto pesado". O estudante não é seu CR, sua nota, nunca foi. Faculdade não dita destinos, nem encerra carreiras. Faculdade não é competição, nem tortura. O único apoio verdadeiro é o de colegas, amigos, alguns para a vida toda. Faça sua parte, incentive, mantenha-se unido, lute pelos seus direitos; empatia, força e persistência, parabéns para nós, que nos mantemos em pé, mesmo que, ás vezes, com pernas bambas.

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