quarta-feira, 19 de abril de 2017

Xereta

Mariana, quarta-feira de sol. Em um ônibus lotado, normal. Em pé, com a mochila entre as pernas, segurando a barra do veículo para não ser arremessada para todos os lados. *Muda para primeira pessoa*. Estava sem meu celular, no caso, sem bateria, e por isso, ativei meu senso de observação, dedução e indução. Comecei a analisar as pessoas do ônibus, e vi que a maioria delas estava entretida em seus aparelhos. Nisso, observei um indivíduo em especial:
Fulano. Não sei o nome dele, vai ficar fulano mesmo. Aparentemente de estatura baixa (estava sentado), com uma barba grande, cabelos pretos, um semblante comum. Uma tatuagem do símbolo comunista em vermelho no braço esquerdo ( olhe que coincidência) , com uma frase ao lado. O que me chamou atenção foi basicamente a conversa dele.
Fulano conversava, entretido, com alguém. Não sei, a imersão dele no assunto me chamou a atenção. E então a xereta começou a fuxicar o que o mesmo estava fazendo.
Ele conversava com uma garota, uma mulher chamada Fernanda, apelidada no WhatsApp de ‘’Fernandinha bb”. Por um segundo, comecei a ponderar se eles são aquele tipo de casal que se chama de coisas fofinhas e faz voz melosa falando um com o outro, mas agora, em casa, penso que pode ter sido Baixo Botafogo, onde ele pode ter a encontrado. Mas então, lendo sua conversa de maneira bem discreta, vi que ela disse algo como “Bom dia bombonzinho, ou bonzinho”, ou alguma coisa do tipo, e comecei a pensar que eles eram namorados. Mas não, não eram.
Ele falava com ela, mandava suas mensagens, e enquanto ela respondia, ele aguardava ansiosamente, sempre com o celular na mão, não abaixava o aparelho nem a pau, ficava encanando a tela brilhante, esperando a mensagem de retorno de Fernandinha bb. Teve um momento em que, tomado pela saudade, ele abriu as mídias que havia compartilhado com ela, e lá havia uma foto da mesma, vestida de índia, com uma linha vermelha atravessando o rosto horizontalmente, cabelos negros lisos, pele amendoada, olhos negros. Achei bonitinha, digna do apelido de “Fernandinha”. Fulano está um nome muito feio, vou chamar o cara de Flávio. Flávio perguntou, uma hora, qual era o tipo de literatura que ela gostava, o que me fez presumir que não eram namorados. Ela lhe disse que gostava de ação, comédia, romances...  e Flávio respondeu o que ela achava do romance que eles estavam vivendo, ela respondeu que era o melhor, ou seu favorito, ou algo do gênero, e ele respondeu:
 -Nhooooooooooo (coração)(coração com um ponto embaixo).
Achei bonitinho. Queria estar vivendo isso também, e por um segundo achei muito interessante o fato de que ele parecia totalmente estático por fora, concentrado e sem emoções, mas estava digitando de maneira cheia de júbilo. As pessoas fazem isso, rindo por dentro, mas uma máscara por fora que esconde quaisquer mudanças de humor.
Flávio perguntou a Fernanda quais os autores que ela gostava de ler , e a garota respondeu:
-Machado de assis, Graciliano, Lima Barreto... clássicos brasileiros, e chegamos ao momento ápice da história, transcreverei a conversa:
-(...)
Flavio:
-Quer ouvir uma piada?
Fernanda:
-Manda.
Flavio:
-Quem castrou Castro Alves?
Eu ri daquilo internamente. Não iria rir de verdade pois ele me acharia maluca e intrometida.
Ela riu, mandou várias carinhas risonhas. E entao comecei a ponderar sobre como algumas pessoas não conseguiam ser expressivas em suas respostas, e pensei que se fosse eu respondendo, iria dizer mais coisas, mostrar que gostei da piada. E tinha mais.
Fernanda:
-E você tem a resposta?
Flávio:
-Tenho.
Fernanda:
-Qual é?
Flávio:
-Machado de Assis.
Ela riu, eu ri.

Depois disso, ele foi ver outras mensagens, seus grupos, Facebook e afins, mas apenas focado em Fernanda, em sua resposta, todos os outros eram irrelevantes perto dela. Pensei que estivesse bom de fuxicar  a vida dos outros, deixar Flávio ouvindo seu Gonzaguinha, e eu ouvindo vários nadas no meu fone de ouvido quebrado. Sentei na cadeira atrás de Flávio e não pude mais ler suas mensagens, e quando descemos do ônibus, nem ao menos me despedi visualmente dele... Espero que o romance com Fernandinha bb vingue, que eles falem muito de literatura e piadas ruins, e vivam muitas aventuras, eu apoio esse casal.

domingo, 9 de abril de 2017

Não quero coroa

Sábado, 09/04/2017. Estava eu andando pelas ruas de Copacabana, vestida de maneira totalmente tosca, é o melhor adjetivo possível. Blusa largada, laranja, shorts jeans gastos, de 2012, chinelos, meu cabelo preso com uma caneta em um coque no alto de minha cabeça, e para completar meus óculos. Andava pela avenida principal, a qual dá nome ao bairro, quando passo por um prédio onde há dois homens conversando, um aparentemente sendo o porteiro,  o outro não sei. Passo por ele, que me encara o mais profundamente possível em meus olhos, um homem com aparência de idoso, cabelos grisalhos, fora de forma, praticamente do meu tamanho. Ele me encara, e fala, exasperado, de uma vez, como se estivesse suspirando:
-Princesa!
A primeira coisa que eu penso é:’’esse cara tem idade para ser meu avô’’. Mas depois eu começo a filosofar, eu em meu silencio, na noite abafada de outono.
Querido homem que eu nunca vi na vida, você está equivocado. Não me compare com uma princesa, eu fico ofendida.
Eu não quero ser a que fica esperando um príncipe me salvar, impecável, trancada em uma torre.  Eu quero ser a que conhece cada canto de seu território, quero por a mão na massa, me sujar, nem que eu tenha cicatrizes, que elas tenham uma boa história.
Não quero ter unhas pintadas, impecáveis, me vestir com joias ( detesto joias, leiam os outros textos) e tecidos maravilhosos, para ser comparada a estátuas, deusas, ser mais uma musa do público masculino alheio (a.k.a alvo de diversas homenagens). Não, eu não quero ser um objeto decorativo, a princesinha, arrumadinha, em busca de seu cavalheiro encantador. Ou o idoso estranho da esquina, vai saber. (Cof, cof, nada a Temer).
Eu não sou agradável de olhar, um não mais tão amigo meu comentou há um ano que minhas feições eram grosseiras. São. Eu não sou uma moça recatada que fala baixinho e ri como uma doninha, não, minha voz é grossa, clara e alta. A graciosidade em mim não existe, qualquer traço de meus desenhos é brutal, concreto, eu não sou uma pessoa leve, setenta quilos de muita consistência.
Eu não danço bem, não canto, não sei seduzir, não sei encantar, não sei ser qualquer coisa que não pareça grosseira . O máximo que eu faço é fazer as pessoas rirem ou chorar com minhas piadas e meus textos, aqui desse blog mesmo. Eu sou um livro aberto, não tenho segredos que escondo por trás de um leque.
Não tenho uma pele perfeita, olhos azuis cristalinos, cabelos louros, pés e mãos pequenos, não, tenho extremidades grandes, funcional, prático, mas nada gracioso como uma princesa. Tenho a minha mínima delicadeza para fazer castelos de cartas e cuidar de animais, mas para por aí, eu não sou a daminha perfeita e fofa, se esse homem ouvisse quando eu falasse algo, mudaria de ideia.

Não sou a princesa, sou a ogra. 
Mas essa ogra tem mais a oferecer, ela tem um coração, e ele não é pequeno. 
Alimente-a com chocolate que é só sucesso.

sábado, 8 de abril de 2017

era para ser um texto fofinho mas ficou triste

TEXTO BONITINHO PARA NÃO TER PESADELOS
Vi e absorvi umas coisas que não esperava hoje, foi bem ruim, só de lembrar, me dão arrepios, me deixaram bem mal.
Eu sou muito visual, tenho pesadelos mesmo, as imagens, a mensagem por trás de tudo, não saem da minha cabeça.
Estou com medo de dormir agora.
Por isso eu escrevo agora um texto bonitinho, para não ter pesadelos.

Era uma vez, no vale dos unicórnios, um unicórnio que se chamava Coração. Coração tinha um chifre lindo e muito colorido, com todas as cores do arco-íris, e as cores eram brilhantes, seu corpo era de um lilás muito claro, quase branco, que praticamente reluzia no sol, crina e rabo roxos. Seus cascos eram do mais puro dourado, e, seus olhos eram da cor do mais profundo amor. Ele brincava com seus amigos pelos campos floridos do vale. Coração tomava água das mais puras cachoeiras que se encontravam no meio de florestas encantadas, com árvores de frutos infinitos, que não apodreciam nunca. Ele era feliz, tinha sua cama de feno junto de seus amigos, nunca estava sozinho. Ele tinha um espírito de aventureiro, curioso e entusiasmado.
Mas seu poder era diferente. Coração absorvia os sentimentos dos outros unicórnios, tentando confortá-los quando estavam tristes, e os potencializando quando eram felizes, conseguindo sentir as mesmas emoções, era como se as emoções penetrassem em sua alma, se infiltrassem lá e refletissem para os outros unicórnios.
Um belo dia, Coração sentiu vontade de beber água, disse a seus amigos que já voltava, e resolveu ir a um lugar não convencional, ao outro lado da floresta, também bem frequentado pelos unicórnios. Trotando por entre as árvores, se deparou com um poço. Esticando o pescoço para visualizar o que havia lá dentro, o unicórnio viu um espelho d’água, que logo se tornou turvo. Ele não entendia o que estava acontecendo, nunca tinha visto nada igual antes.
Do outro lado do espelho d’água, imagens começavam a se formar. Imagens nítidas, perfeitas, de uma resolução impecável.
Era um espelho que mostrava as outras dimensões contidas no espaço-tempo, e, por um momento, passou a de um planeta azul bastante conhecido. Por um instante, o unicórnio se perdeu em imagens: havia seres gigantes, com temperamento agressivo, e ele institivamente recuou, mas depois voltou a ver as imagens. Muitas criaturas desconhecidas, coloridas, mas todos pareciam em harmonia, em meio a paisagens diferentes da que conhecia. Depois de alguns minutos assistindo, houve um clarão, e de repente não havia mais criaturas. Ele já não tinha entendido muito antes, agora ficou perdido.  Coração ficou intrigado com uma raça diferente que surgiu no espelho, seres meio claros meio escuros, estranhos, com uma quantidade abundante de pelos em polos concentrados, e mais, eles não andavam em quatro apoios, como assim? Por que a tela estava focalizando tanto nessas criaturas, quando havia outras mais interessantes?
E então ele observou a formação de tribos, aldeias, sociedades. Esses seres tinham algo em especial, eles conseguiam predominância, como se mais importantes. Em suas mãos, surgiam pedras e folhas e cordas e conseguiam fazer... coisas pontudas? Qual seria a funcionalidade daquilo? E pela primeira vez, Coração testemunhou a violência dessa raça. Conforme o tempo ia passando, ele via que esses seres eram quase que mágicos, mas muito ambíguos, eles construíam grandes abrigos de pedra, para depois derrubá-los, pareciam tão sábios, mas também tão tolos, e Coração testemunhou a morte pela primeira vez, visto que os unicórnios são imortais. Ele não conseguia entender porque aquilo acontecia, a vida era retirada de um ser de maneira tão abrupta, e o unicórnio cheio de perguntas sem respostas, mas muito sentido pela raiva que era transmitida por esses seres meio pelados, meio cabeludos.  Ele ficou lá, prostrado, olhando para aquilo, e ficou com muito medo, e muito triste, conforme o tempo passava. Ele via grandes descobertas de substancias mágicas sendo convertidas para violência, mais sentimentos ruins sendo transmitidos, e ele sentia aquilo como facadas, nunca havia se envolvido com uma corrente tão negativa. Até que chegou a um ápice, em que as imagens estavam passando tão rápido, mas com um conteúdo muito denso. Via sangue, mortes, estupros, assassinatos, guerras, e não compreendia, e quanto mais sentia a tristeza emanando através de água no que parecia ser as faces deles, ele chorava o choro mágico dos unicórnios, que é uma espécie de água que faz flores nascerem instantaneamente. E ele chorava, conforme ele via os filhotes dessa espécie sendo arrancado de suas famílias, conforme muitos desses seres eram exterminados, como um sentimento muito amargo de individualidade tomava conta deles e os tornava parecidos com monstros, monstros assustadores que poderiam assombra-lo por toda uma vida.
Ele via esses seres serem nocivos, atacarem toda outra forma de vida, seja por diversão, seja para subsistência, seja para trocas. Ele via uma mudança absurda no cenário, que antes era verdejante, agora era cinza. E, se antes havia outras criaturas, agora só havia os bípedes estranhos controladores.
Mas apesar disso, ele também sentia a compaixão na alma de muitos deles, de como os seres eram divergentes, alguns com muito mal concentrado, outros muito bons. Porém, o lado mal lhe mostrou coisas muito impactantes, instrumentos de algum metal que lançavam outro metal e estancavam a vida para fora de outras criaturas,  substancias tóxicas usadas de propósito para a aniquilação de seus semelhantes. Por quê? Por que tao cruéis? E essa crueldade era diretamente absorvida em Coração, e cada vez mais ele ficava pior, mais triste, cabisbaixo, e mais flores iam crescendo em torno de seu perímetro.
 A lua já estava alta no céu quando Coração saiu de perto do poço, e havia um grande campo de flores ao redor do mesmo. E ele não parava de chorar, estava muito triste, não sabia que existia tamanha dor, tamanho sofrimento, queria ajudar mas não sabia como, era somente um unicórnio. Ele não podia se comunicar com essa espécie desconhecida, não poderia ensinar aos que não conheciam o amor, que essa era a melhor forma de prosperar. Mas nada adiantava, a frustração se acumulava no unicórnio, e ele não sabia nem se conseguiria se mover desse lugar, tamanho o choque dessa outra realidade que ele não conhecia.  Com muita força de vontade e tristeza emanando do pobre ser místico, ele foi, aos poucos, até onde estavam seus amigos.
Chegando lá, seus companheiros estavam  preocupados com seu paradeiro, e ele não tinha vontade de falar, de comer, nada. Só disse-lhes que se espetou em um espinho e precisava de tempo para sarar, nada que uma soneca não bastasse. Seus amigos insistiram, queriam ajudar, queriam saber se havia algo a mais de errado, mas nada acalmaria Coração.
Ele chegou a seu leito, descansou a cabeça na árvore inclinada que se encontrava a frente, e deixou suas lágrimas caírem, uma vez mais. As lágrimas de toda a dor, todo o sofrimento, todas as mortes desnecessárias, toda a avareza, toda a crueldade, todo o ódio, toda a perversão, todo o mal. Ele sentia que não conseguiria suportar tudo aquilo.
Adormeceu, com um lindo campo de flores vermelhas resplandecendo em seu redor.
Ele acordou  de um sono sem sonhos nem pesadelos, ligeiramente melhor, mas mesmo assim, não era o suficiente. Com habilidades telepáticas de unicórnio, ele pegou grafite refinada do minério mágico, e uma folha branca, caída, da árvore-neve, que se encontrava no centro do vale. Pressionando telepaticamente o grafite contra a folha, ele escrevia na caligrafia mágica e perfeita dos unicórnios.
Ele precisava escoar esses sentimentos, transmiti-los para algum lugar, para que o conteúdo não ficasse denso em sua memória, mas nas memórias de vários materiais e substancias.

Então, ele escreveu. E escreveu mais ainda.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

NÃO INTERPRETE A PRIMEIRA LINHA LITERALMENTE

Estou grávida.
Entendem a gravidade disso?
Gravíssima gravidez.
E não é só um filho.
São cinco, dez, vinte.
Na minha cabeça.
Seria eu minerva?
Meus filhos são minhas transposições
Meus pensamentos indo para o papel
Eles ficam no meu crânio, na minha mente,
Que faz papel de útero
Conforme o dia passa, eu dou nutrientes a eles
E eles ficam mais fortes
E eu quero que eles saiam, que eles vão para o papel
Mas há duas substancias tóxicas que consomem
O nutriente vital dos coitados
Responsabilidade e procrastinação.
Elas consomem o Tempo, e com isso, meus queridos pensamentos
Somem. São esquecidos.
Como poderia uma mãe esquecer de seus filhos?
Eu queria poder escrever, ao mesmo tempo, tudo que me passa na cabeça
Mas eu perderia minhas digitais, em uma espiral infinita de escrita
Ficaria com olhos vermelhos, ardidos, encarando a tela branca que me tortura as retinas
Então, seleciono poucos filhos para mostrar ao mundo
Eles saem e ficam expostos e crescem e florescem e pessoas falam deles
Mas, ao contrário de nós humanos, eles são imortais. Que eles espalhem
A palavra do caos e do amor por aí

#pas