domingo, 15 de janeiro de 2017

Desencaixada

04h16min, madrugada de segunda-feira de 2017.
Eu, tirando os resquícios da minha maquiagem tosca, de frente para minha imagem ao espelho. Hoje em dia eu quase não uso rímel, lápis, nada disso. Resolvi passar porque fazia muito tempo que não via meus cílios mais compridinhos. Mas há seis anos, eu usava. Eu usava constantemente, como se tentasse me esconder por trás da tinta.
  Por que eu usava?
Pois as garotas da minha sala usavam. Elas eram diferentes. Minto, elas eram muito iguais, eu que era diferente. Eram (tidas como) bonitas, popularezinhas, engraçadinhas.
Sempre foram. Com dez anos, pedi a minha mãe para que ela me comprasse um sutiã. Eu não precisava, ainda, mas mesmo assim pedi. Pelo mesmo motivo. As meninas da minha sala já estavam usando, eu me sentia para trás, me sentia excluída. E lá fui eu, me sentindo o máximo, com um sutiã branco que não tinha muito que sustentar.
E lá ia eu, tentando imita-las. No fundo, entre todas as fofocas de garotos, eu só queria saber de ficar desenhando minhas pequenezas. E eu me sentia uma alien perto delas.
O ápice disso foi quando eu decidi comprar umas sandálias plataforma. Umas sandálias de borracha, enormes. Eu já era alta, parecia um palito, e com aquelas sandálias, era deveras ridícula.
Minha mãe, como não era muito presente, compensava isso com elogios e incentivos ás minhas escolhas. Ela me via com aqueles sapatos e me achava a criança mais linda do mundo. E eu acreditava. Mas não por muito tempo.
Essas colegas minhas cortaram minhas asas, disseram-me, na cara dura, o quão ridícula eu parecia naquelas sandálias. Diziam que era como se fosse um palco. ``Desce do palco, Mariana``, uma delas comentou, um dia. Quando fomos fazer um trabalho na casa de uma delas, a dona da casa pegou uma sandália minha e escondeu, outra jogou para cima, elas se divertiam. E me zoavam. E eu ia embora me sentindo primeiramente bem, pois pelo menos estava com elas, depois me sentia mal, pois sentia o desprezo delas, e depois ficava meio triste, mas eu tinha uma positividade muito grande acumulada, posso dizer que fui forte emocionalmente.
Elas tacavam pedras na minha alma, dizendo o quanto eu era feia, os garotos concordavam, se esgueiravam para longe de mim. De fato, eu era estranha.
Um dia, essas colegas disseram que iam dar um trato em mim. Fomos ao shopping, elas me guiaram, com o controle em suas mãos, e elas compraram, com o meu dinheiro, um corretor para olheiras e uma base, que nem da minha cor era.
E então, amigos, chegamos ao ponto. Eu comecei a usar maquiagem, ia para a escola de maquiagem, achando que seria mais aceita assim, achando que algo mudaria, que minhas colegas eram minhas amigas.
Para vocês terem ideia, eu só beijei o primeiro cara porque queria ser igual ás minhas colegas. Elas estavam todas felizes contando suas experiências, e lá fui eu, com treze anos recém formados, ``ficar`` com o primeiro que me elogiou, por recomendação de uma dessas colegas.
Essas colegas foram saindo da minha sala, e eu amadureci. Quanto mais elas saíam, mais eu fui libertando meu espírito, percebendo que estava botando essas garotas em um patamar inexistente, e que não precisava ser aceita em droga nenhuma, eu preferiria estar sozinha que convivendo com tamanhas personalidades. Percebi que eu não precisava de tinta para esconder minhas imperfeições, deixe-as lá, estou bem com elas.
Hoje, eu fico feliz pelas minhas sandálias plataforma. Quase virei o pé com elas? Quase virei o pé com elas. Abri o queixo por causa delas? Também. Mas estou satisfeita, pois elas me criticavam, e eu nunca as joguei fora. Parabéns, vocês foram crianças precoces, beijaram bocas quando ainda nem sabiam o que mais podiam fazer com elas.
Parei de usar maquiagem, me sinto muito melhor assim. Elas tentaram me moldar para eu me encaixar, mas a verdade é que eu prefiro estar fora, com minhas amizades de verdade, com minhas características. Eu estou satisfeita com a aparência que adquiri ao longo desses anos. Mas obrigada pelas porradas emocionais, me fizeram mais forte. Ou só menos cafona. Um tanto mais triste, mas relevemos.

Escrito especialmente para Ana Beatriz, Juliana, Renata, Yasmin, Larissa, Paula, Pedro Fraga.

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