Há quem diga a expressão ``Ah, vai cagar no mato``. Para quem já disse isso, alto lá.
Você já cagou no mato? Fui acampar com um colega, esse fim de semana, e me surpreendi muito com o sentimento de estar no meio da natureza, e fazer o ato mais comum, repetido, o pós-comer, o se livrar do que não presta para seu corpo, e que vai prestar para o meio. Pensei em inúmeras coisas, como:
A demonização das fezes, quando na verdade é só o que foi ingerido antes com uma série de ácidos e agentes que transformam tudo em uma massa homogênea. Transformamos em algo estúpido, em um xingamento, vai a merda. Negar a merda, negar o que é inerente ao ser humano, o detrito, o resquício, o excreta, o orgânico, é negar a existência.
Fui para o meio do mato, em uma praia longe de minha morada atual, e do nada, como sempre, senti o chamado da natureza, agora que estava rodeada de árvores e palmeiras, o cheiro do mato, de mar. Quis me distanciar o máximo das pessoas que estavam lá na ilha, ter o momento íntimo de concentração, levei um bocado de papel higiênico, me senti ligeiramente ridícula por estar levando-no.
Achei um canto no caminho da trilha, me agachei, e me pus aos trabalhos. Enquanto estava nessa interessantíssima aventura, pensei: Os animais fazem isso sem ao menos racionalizar. Eles somente fazem, e não demonizam. Me senti um animal, com o sangue quente correndo, sem precisar fazer caretas ou teatralidades, simplesmente poderia ser eu, animal, sem vícios, preconceitos e rótulos, só um corpo atendendo ás suas necessidades mais puras.
Olhei para baixo, e lá estava, um belo punhado de fezes. Camuflados, quase, da mesma cor da terra. Se tivesse um lugar perfeito para minhas fezes se encaixarem, seriam no meio daquela terra. Procurava pelo cheiro desagradável, mas esse também se dissipou no cheiro enorme do cenário aberto e tranquilizante. Meu coco ficou lá para servir de adubo, de substrato natural. Que besouros se aproveitem da substancia, que árvores e flores prosperem diante da matéria.
Eu me senti como se... todos os artificialismos, as privadas, em que simplesmente nos desfazemos da merda sem ao menos olhar para ela, se dissipassem, como se ali estivesse expressa toda a concretude e a essência do ser humano, comer, processar, excretar.
Pensei em nem passar o papel higiênico, tamanha minha sintonia com a natureza. Mas, pensando no meu colega de barraca, seria interessante prezar pelos ideais de higiene ocidentais estipulados pela sociedade moderna.
Eu me senti como totalmente bicho, fera, carnal, um macaco que excreta, que fica de quatro, vai procurar alimento, e depois copula com os membros da tribo. Ressaltei novamente o fato de que os nossos tabus são rasos e estúpidos, não querer ver o outro defecando, essa intimidade fútil, somos todos humanos, todo mundo caga. Essa vida de cidade cansa, acho que não é muito pra mim. Experimentem, cagar no mato é esclarecedor.