sábado, 27 de maio de 2023

NATUREZA TORTA

COMPOSIÇÃO MARIANA MITIC SONORIZAÇÃO & ARRANJO DIGO

dormi, pensando que era rosquinha
sonhei, com espiga que ora espia
curvado, tanto caminha
mais uma milha, 
não estanco, 
recheio surpresa
sou franco, frapê, 
pra tu vê
nunca estive sã
de chocolate um croassaint
em cada fissura beleza
inebriante paladar
não cobre delicadeza
se é pra se esbaldar

SOU SÓ MAIS UM BÔOLO
gordura trans saturado glacê 
SOU SÓ MAIS UM TIJOLO
CASA DE MIOLO, JUJUBA E PAVÊ
Te janto, te gelo, não caibo na cela,
cansado da tela, 
SOU NATUREZA TOOORTA
NATUREZA TORTA

comi, pensando que era sonho
lambi, surreal também medonho
pulsante sacarose inebria, 
o frescor brilha, 
mais uma fatia, corta,
Jamais reta, sinergis, 
sou franco, frapê,
pra tu vê, 
gluten, guloseima
cada doce glacê
não roube, nem tenta
tartelete glicose
vê mais uma dose

SE FOR TE SORVER
NÃO VOU LHE SERVIR
QUERO SENTIR
UM CHEIRO QUE NÃO SEJA
OVEARLOAD
DE DESODORANTEEEEEEE

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Ao rememorarmos o histórico do rap no Brasil, percebemos que o cenário do hip hop, ao longo do tempo, buscou rarefar, excluir a presença feminina, interditando seu lugar de fala. Para que pudessem tomar a palavra, as mulheres precisaram se submeter ao ritual masculino que envolvia o movimento – por exemplo, usando roupas largas para que pudessem se apresentar. Adesão a um padrão adotada como estratégias de resistência para que elas pudessem entrar na disputa pela vontade de verdade sobre o que é ser mulher e como essa é discursivizada, objetivada e subjetivada nas letras dos raps  

 Formação discursiva que subjetiva a mulher como o sexo tem como atributo apenas o corpo, sendo desprovida de inteligência - “seu jeito vulgar, suas idéias são repugnantes. / É uma cretina que se mostra nua como objeto, / É uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo” - que também é verbalizada, três anos depois, de modo bastante semelhante no rap Lôraburra, de Gabriel, O Pensador: “Existem mulheres que são uma beleza Mas quando abrem a boca Hmm que tristeza! (…) O problema é o que elas falam que não dá pra aguentar / Nada na cabeça / Personalidade fraca / Tem a feminilidade e a sensualidade de uma vaca (…) Eu só saio com você se for pra ser o Ricardão (…) Eu só vou te usar Você não é nada pra mim”. Além de reafirmar a mulher como objeto sexual - “eu vou te usar” -, inapta para o que demanda intelecto e raciocínio - “nada na cabeça” -, aquela que precisa ser conduzida (maria vai com as outras) por conta de uma “personalidade fraca”, Pensador, na própria letra, afirma “eu não sou machista”. Ou seja, tira do homem a responsabilidade pela objetivação – tanto do corpo, quanto no sentido foucaultiano do termo, que diz respeito aos discursos que levam a produção de subjetividades nos sujeitos – da mulher.

Outro ponto a ressaltar é que a presença de discursos que incitam a inimizade entre as mulheres, numa espécie de culpabilização da outra, a amiga, por todos os problemas do casal, como no rap de MV Bill: “tá afim de acreditar nos outros, problema seu / suas amigas que ficam me queimando na sua mente / (…) / amizade com piranha não da certo eu te avisei / ficam de leva e traz (eu só quero paz)” (2000). Uma espécie de reafirmação de uma formação discursiva dominante – a de que mulheres não são amigas de mulheres, que os relacionamentos entre duas pessoas do sexo feminino é sempre marcado pela competição – como forma de abafar um contradiscurso emergente e contrário a essa que é o da sororidade entre as mulheres, uma das bandeiras do feminismo no século XX

Desde o início o hip hop é um espaço predominantemente masculino. Apesar de ter como característica primordial a contestação da realidade nas favelas, da violência e o racismo, somente nos últimos anos tem sido utilizado como um espaço de debate da violência de gênero. Assim como em tantos outros âmbitos, à mulher são atribuídas características como submissa, promíscua ou interesseira. Atualmente, essa posição da mulher é reafirmada nas criações de diversos rappers. 


POR QUÊEEE

EU PRECISO PENSAR

SE ESSE REALMENTE

É O MEU LUGAR

PRA TER MAIS DE NÓS

SÓ EXPANDIR

BOTAR A CARA SE JOGAR

SEM MEDO DE JULGAR

PORQUE PRECISA

DE MAIS DE NÓS

PRA RIMAR BASTA TE VOZ

ok isso não é pura verdade

mas te digo o motivo

pras mana TEM MUITO MENOS 

INCENTIVO

então cativo

acolho

diante da crítica ás vezes encolho

um segredo

real dá medo

mas dá mais medo pensar

que não vão fazer fluir

e aquietar guardar

o que seu coração quer falar

e eles dizem quando fazem música sobre a gente

te repente, só escuta e sente

como que a mulher só quer sentar

é, sentar o tiro na sua cara

pra aprender a respeitar

a luta das mana que tá no corre

quando se machuca ainda te socorrem

pelas minhas mãos o resquício do

seu machismo escorre

Mas de lembrar

nesse mundo efêmero 

Rap não tem gênero

mas eles insiste

é neles que o mercado investe

todo dia ser ouvida é um novo teste

acho tudo isso muito trash

e eu falei pega tuas roupa veste

seja em na cidade ou campestre

as aprendiz vira mestre

POR QUEEE

PRECISO PENSAR

SE ESSE REALMENETE 

ÉO MEU LUGAR

se vou ser aceita

olhada torto

fico absorto

com a necessidade 

na encolha

de expandir 

essa ***** dessa bolha

 É sempre um espanto

sentada no meu canto

pensar agora eles vão mandar

algo que tenha a somar

e começam a se xingar

seu cabelo é feio

me sinto cega em tiroteio 

meu verso ligeiro, 

olhar faceiro, 

rápido a lapidar, 

se esse é meu lugar

se eu posso falar

só tinha um bando de 

cara e ninguém 

pra nos representar

NINGUÉM TÁ CONFUSA

DE VIOLÊNCIA ME ACUSA

PORQUE SOU OFENSIVA

SE FOSSE HOMEM SERIA ASSERTIVA

AHHHHHHHHHH

MAS RESPIRO NESSA PELE QUE ME CABE

SE NOSSO LUGAR É CUIDAR 

CUIDAMOS DAS NOSSAS E QUEM SE IMPORTA

O RESTO VÁ SE LASCAR

NÃO VOU MEDIRRRR

PALAVRAS

a minha fita métrica é pequena demais

meu coração transborda e esvai

a incredulidade não esmaece

não desce, nem apetece

nunca fomos minoria

adoram nossa energia

se for para ficar no canto

por que o espanto?

nossa voz se desvia

e desfia, no lugar

que eles querem colocar

porque esse papel falso 

agora vamos queimar

não é doce no paladar

nem fácil de tragar

porque não tá nas redes de 

ensino

que a nossa voz ainda tem uma galera

que não quer escutar

para sempre botar

abjeto desejo objeto

dejeto sujeito ejeto

pra lua vai lá estudar

bell hooks, djamila, evaristo,

''ai mas nem todo homem'',

em vez de se desculpar

pode ir lá se inteirar

de coisas para não mais reproduzir

e depois dizer que não sabia

que não é provido de tamanha 

sabedoria, estamos

na era do conhecimento

ou esquecimento 

sei lá 

só não deixá

a fake news te captá

e eu poderia mais me extender

porque tento mesmo entender 

como sempre buscávamos conceder

nesse proceder 

ver os brother

sempre a se respeitar e coroar

num lugar em que se aparece uma já é dádiva

nosso plano não é aparecer ou ser diva

mas temos sede de quitar essa dívida

nosso desejo real é ser ouvida!