sábado, 27 de maio de 2023
NATUREZA TORTA
quarta-feira, 24 de maio de 2023
Ao rememorarmos o histórico do rap no Brasil, percebemos que o cenário do hip hop, ao longo do tempo, buscou rarefar, excluir a presença feminina, interditando seu lugar de fala. Para que pudessem tomar a palavra, as mulheres precisaram se submeter ao ritual masculino que envolvia o movimento – por exemplo, usando roupas largas para que pudessem se apresentar. Adesão a um padrão adotada como estratégias de resistência para que elas pudessem entrar na disputa pela vontade de verdade sobre o que é ser mulher e como essa é discursivizada, objetivada e subjetivada nas letras dos raps
Formação discursiva que subjetiva a mulher como o sexo tem como atributo apenas o corpo, sendo desprovida de inteligência - “seu jeito vulgar, suas idéias são repugnantes. / É uma cretina que se mostra nua como objeto, / É uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo” - que também é verbalizada, três anos depois, de modo bastante semelhante no rap Lôraburra, de Gabriel, O Pensador: “Existem mulheres que são uma beleza Mas quando abrem a boca Hmm que tristeza! (…) O problema é o que elas falam que não dá pra aguentar / Nada na cabeça / Personalidade fraca / Tem a feminilidade e a sensualidade de uma vaca (…) Eu só saio com você se for pra ser o Ricardão (…) Eu só vou te usar Você não é nada pra mim”. Além de reafirmar a mulher como objeto sexual - “eu vou te usar” -, inapta para o que demanda intelecto e raciocínio - “nada na cabeça” -, aquela que precisa ser conduzida (maria vai com as outras) por conta de uma “personalidade fraca”, Pensador, na própria letra, afirma “eu não sou machista”. Ou seja, tira do homem a responsabilidade pela objetivação – tanto do corpo, quanto no sentido foucaultiano do termo, que diz respeito aos discursos que levam a produção de subjetividades nos sujeitos – da mulher.
Outro ponto a ressaltar é que a presença de discursos que incitam a inimizade entre as mulheres, numa espécie de culpabilização da outra, a amiga, por todos os problemas do casal, como no rap de MV Bill: “tá afim de acreditar nos outros, problema seu / suas amigas que ficam me queimando na sua mente / (…) / amizade com piranha não da certo eu te avisei / ficam de leva e traz (eu só quero paz)” (2000). Uma espécie de reafirmação de uma formação discursiva dominante – a de que mulheres não são amigas de mulheres, que os relacionamentos entre duas pessoas do sexo feminino é sempre marcado pela competição – como forma de abafar um contradiscurso emergente e contrário a essa que é o da sororidade entre as mulheres, uma das bandeiras do feminismo no século XX
Desde o início o hip hop é um espaço predominantemente masculino. Apesar de ter como característica primordial a contestação da realidade nas favelas, da violência e o racismo, somente nos últimos anos tem sido utilizado como um espaço de debate da violência de gênero. Assim como em tantos outros âmbitos, à mulher são atribuídas características como submissa, promíscua ou interesseira. Atualmente, essa posição da mulher é reafirmada nas criações de diversos rappers.
POR QUÊEEE
EU PRECISO PENSAR
SE ESSE REALMENTE
É O MEU LUGAR
PRA TER MAIS DE NÓS
SÓ EXPANDIR
BOTAR A CARA SE JOGAR
SEM MEDO DE JULGAR
PORQUE PRECISA
DE MAIS DE NÓS
PRA RIMAR BASTA TE VOZ
ok isso não é pura verdade
mas te digo o motivo
pras mana TEM MUITO MENOS
INCENTIVO
então cativo
acolho
diante da crítica ás vezes encolho
um segredo
real dá medo
mas dá mais medo pensar
que não vão fazer fluir
e aquietar guardar
o que seu coração quer falar
e eles dizem quando fazem música sobre a gente
te repente, só escuta e sente
como que a mulher só quer sentar
é, sentar o tiro na sua cara
pra aprender a respeitar
a luta das mana que tá no corre
quando se machuca ainda te socorrem
pelas minhas mãos o resquício do
seu machismo escorre
Mas de lembrar
nesse mundo efêmero
Rap não tem gênero
mas eles insiste
é neles que o mercado investe
todo dia ser ouvida é um novo teste
acho tudo isso muito trash
e eu falei pega tuas roupa veste
seja em na cidade ou campestre
as aprendiz vira mestre
POR QUEEE
PRECISO PENSAR
SE ESSE REALMENETE
ÉO MEU LUGAR
se vou ser aceita
olhada torto
fico absorto
com a necessidade
na encolha
de expandir
essa ***** dessa bolha
É sempre um espanto
sentada no meu canto
pensar agora eles vão mandar
algo que tenha a somar
e começam a se xingar
seu cabelo é feio
me sinto cega em tiroteio
meu verso ligeiro,
olhar faceiro,
rápido a lapidar,
se esse é meu lugar
se eu posso falar
só tinha um bando de
cara e ninguém
pra nos representar
NINGUÉM TÁ CONFUSA
DE VIOLÊNCIA ME ACUSA
PORQUE SOU OFENSIVA
SE FOSSE HOMEM SERIA ASSERTIVA
AHHHHHHHHHH
MAS RESPIRO NESSA PELE QUE ME CABE
SE NOSSO LUGAR É CUIDAR
CUIDAMOS DAS NOSSAS E QUEM SE IMPORTA
O RESTO VÁ SE LASCAR
NÃO VOU MEDIRRRR
PALAVRAS
a minha fita métrica é pequena demais
meu coração transborda e esvai
a incredulidade não esmaece
não desce, nem apetece
nunca fomos minoria
adoram nossa energia
se for para ficar no canto
por que o espanto?
nossa voz se desvia
e desfia, no lugar
que eles querem colocar
porque esse papel falso
agora vamos queimar
não é doce no paladar
nem fácil de tragar
porque não tá nas redes de
ensino
que a nossa voz ainda tem uma galera
que não quer escutar
para sempre botar
abjeto desejo objeto
dejeto sujeito ejeto
pra lua vai lá estudar
bell hooks, djamila, evaristo,
''ai mas nem todo homem'',
em vez de se desculpar
pode ir lá se inteirar
de coisas para não mais reproduzir
e depois dizer que não sabia
que não é provido de tamanha
sabedoria, estamos
na era do conhecimento
ou esquecimento
sei lá
só não deixá
a fake news te captá
e eu poderia mais me extender
porque tento mesmo entender
como sempre buscávamos conceder
nesse proceder
ver os brother
sempre a se respeitar e coroar
num lugar em que se aparece uma já é dádiva
nosso plano não é aparecer ou ser diva
mas temos sede de quitar essa dívida
nosso desejo real é ser ouvida!