quinta-feira, 8 de abril de 2021

Labirintos didáticos

 Entramos pelo portão, com essa incrível cúpula verde, videiras frondosas com cachos de uvas que exalam sua fragância frutada pelos dutos de nossas narinas, cheiramos.

Olho em seus olhos e digo:

-Essa é a última e a primeira vez que sentimos alguma fragância. 

Você me olha, como que entorpecido, com cara de quem não entendeu, e diz: 

-Ok.

Eu digo:

-Não, você precisa me contestar. 

Você parece estar confuso. 

-Então não ok.

- O que fazer então? Você me olha com os olhos brilhantes, no início do labirinto. 

Olho nos seus olhos, e os desvio rapidamente por não saber exatamente como lidar.

Sento no chão.

-O que fazer então? 

Você pensa. E fica esperando que alguma resposta ou alguém lhe diga o que fazer.

-Vamos... comer as uvas? você pergunta, com a dúvida em seus olhos.

-Caíremos do Éden quando fizermos isso? Pergunto eu.

-Não, mas parece uma espécie de comunhão com Dionísio. 

-Sei lá, começo eu- Por algum lugar aqui deve estar Dionísio em pessoa, vamos bater um papinho com ele.

Entramos no labirinto, o chão, que antes era úmido , escuro e macio, agora torna-se arenoso e poeirento.

-Onde está a água para umidificar nossos lábios, esses cheios de rachaduras? 

-Boa pergunta, digo eu com a mão em frente da cara, enquanto um sol roxo tenta nos tostar. Olhamos para os lados, não há sombras. 

-Humano número dois- Me chama meu amigo. 

-Diga, Humano número um.

-Não sei se conseguirei seguir sob o sol por todo esse tempo. 

-Não tem problema, fique na minha sombra. 

Fiquei em pé, no meio das areias verde limão do labirinto, sendo tostado constantemente, bolhas se abrindo em minha mão. Começo a dormir em pé , estou cansado. 

Estou cochilando, quando acordo, estou com pequenos ferimentos nos braços, abaixo das axilas, atrás dos joelhos, brotoejas, calombos e tudo me deixa extremamente desconfortável. O Humano número um preferiu seguir seu caminho só, sem me avisar.

Vejo uma cobra se aproximando de mim. Penso que, se me movimentar em silêncio, posso confundir a cobra. Deito no chão, a parte da frente de meu tronco protegida pela minha roupa, e começo a me contorcer e balançar de forma análoga a cobra, e busco não olhar em seus olhos. Por que, cobra? pergunto eu a mim mesmo- por que você aparece no meu caminho, você quer me dizer alguma coisa?

A cobra abre sua boca, os maxilares com as presas lindamente projetadas pela natureza para darem o bote, e faz um som sibilante com a boca.

Se aproxima do meu corpo rastejante, e anda em paralelo comigo por alguns quilômetros.

O sol está escaldante, e lembro que iniciei isso querendo aprender alguma coisa. Talvez aprender a chorar.

Enfilero pedrinhas no deserto, talvez eu seja um exímio professor.

-Olá alunos- digo eu, meio alucinante- Hoje vou ensinar-lhes a chorar.

Primeiro- digo eu- vocês tiram toda a roupa. Tiro minha camisa esfarrapada, meus coturnos feitos do couro de algum boi perdido no passado. 

As pedras não têm roupa, então ficam só esperando o próximo passo. 

Agora, vocês tentam ativar os dutos lacrimais, se lembrar de algo realmente doloroso de suas vidas, ou só tentem se comover com a existência.

Eu forço os dutos lacrimais por uns minutos, percebo que não consigo chorar, abro um buraco na areia do deserto, e deito lá. Cubro o teto, e quando vejo estou soterrado na areia. Os grãos caem nos meus olhos, no meu cabelo , nos meus bolsos, nas minhas orelhas, cansei, me debato todo para sair do buraco que eu mesmo cavei. -Pedras, chamo eu- alguém me ajude!

As pedras permanecem estáticas. 

Saio do buraco, ávido, desnutrito, um tanto melancólico. Olho para uma pedra, e está escorrendo uma pequena gota d'água, logo do meio da pedra, para baixo. É uma pedra cintilante, brilhante, cinza, talvez seja opaca, e o brilho seja só conta do fogo violeta do sol. 

Eu tento pegar a pedra, mas ela está colada no chão. Faço força para tirar a pedra do chão, não consigo. Talvez ela não queira ser levantada. Cai outra roliça gota de água do meio da mesma pedra, e me sinto como o Bidu, da turma da Mônica, falando com as pedras.

De súbito, as pedras se amontoam ao meu redor e cantam ''Eu tomei meus remédios e fico feliz o tempo todo''! E percebo que é hora de seguir em frente. Me ensine alguma coisa, vida, penso eu.

O céu se abre, e uma enorme língua cósmica feita de poeira cósmica se contorce conforme fala:

-Ué, estou te ensinando. Você fez uma pedra chorar, parabéns. Já pode ensinar isso a pessoas e bichos.

- Qual a serventia, céu?

-Sei lá, olha pra mim. Eu nem existo, eu sou só camadas de gás que vão amenizando em tons de azul mais claro o negro purpúreo do universo, eu sou só gases acumulados, tem um céu dentro do que você chama estômago. Mas dá para respirar melhor no ''meu céu'', isso porquê eu não tenho um estômago.

Será, penso eu, que o céu , então , não teria um estômago?

quinta-feira, 1 de abril de 2021

COME INTO THE WHOLE

 Revista Concinnitas | ano 19, volume 01, número 32, agosto de 2018

é interessantíssimo como que o título da perfomance evoca, ao mesmo tempo, as noções de totalidade, em whole, e de vazio, abismo, como em ''hole''. A vulnerabilidade de nossos corpos diante do descarte desenfreado, o dejeto orgânico deseja ser a parte, mas o corpo que segue pela água, não temendo se deparar com quaisquer fragmentos de objetos/fragmentos há muito esquecidos, uns tendo o prazer de desfrutar do sopro da vida, outros estáticos, vindos de quaisquer matéria inorgânica. 

Como o corpo reage ao estímulo dos dejetos e o descarte de uma cidade inteira? Os pés-alicerces escorregam conforme a corrente o afasta do jorrar, um jorrar poderia ser refrescante? Por instantes de proximidade com a matéria